quinta-feira, 13 de maio de 2010

Pensamentos de um Mito (XXI) – Carta a Mourinho, esse José

Caro José Mourinho,

Dirigir-me-ei a ti de Zé para Zé, pois uma vez que ambos partilhamos esse nome tão Português, sei bem que não há nesse diminutivo qualquer malícia ou desconsideração, muito pelo contrário. E a razão pela qual escolho dirigir-me a ti com esse grau de familiaridade prende-se apenas com o facto de já ser tempo de nós, portistas, fazermos as pazes contigo.

O Futebol, como tu sabes, é um desporto de emoções (saberás até melhor que qualquer outro treinador da história, mas já lá vamos..), e a verdade é que, desde a tua partida, criou-se nas nossas mentes um dilema, pois se por um lado temos a memória do “Porto de Mourinho”, essa máquina de Futebol que nos proporcionou serões inesquecíveis (em particular a versão 02/03, que não só foi a mais espectacular como é também - como tu várias vezes admitiste - a melhor equipa que já treinaste), por outro temos a memória do Homem que, no momento mais alto do seu Consulado Azul e Branco, coroando-se Rei da Europa, se recusou sequer a festejar junto dos seus jogadores e adeptos, na mais perfeita antítese do ocorrido um ano antes em Sevilha, onde o mundo se enamorou de um treinador a correr como uma criança à volta do Estádio Olímpico.

Partiste rumo a outras aventuras e a outros desafios profissionais, como era inevitável, mas ambos sabemos que a tua despedida não deveria e não podia ser tão fria. Os adeptos da invicta deram-te tudo, o F.C.Porto apostou em ti no momento certo para demonstrares o teu talento e tu retribuíste-nos com Títulos e Glória (que também foi tua). Faltou-te estares à tua altura no momento do adeus, e é por isso que falar de Mourinho (e sobretudo elogia-lo) tornou-se Tabu para muitos Portistas, e da mesma maneira que um dia Bella Gutman profetizou que, sem ele, o Benfica jamais voltaria a ser Campeão Europeu, também não faltam Portistas a desejar que longe da Invicta não voltes a ser Rei.

Eu, apesar de tudo, convivo melhor com a tua memória, pois entendo que homem algum está acima da Instituição, e a velha máxima que diz que os jogadores passam e o Clube fica é igualmente aplicável a dirigentes e a treinadores, e nem tu constituis excepção. Não houve um único título por ti conseguido que o Porto já não tivesse conquistado no passado, e houve inclusive um que falhaste (Supertaça Europeia). Tal como tu, os jogadores que fizeram parte da epopeia que culminou em Gelsenkirshen foram deixando o clube, e nem por isso o Dragão deixou de entoar o nome dos seus sucessores e de, com eles, ser novamente campeão.

Traçaste o teu caminho, partiste para Londres e com o teu talento não só reergueste um clube que há meio século não se sagrava campeão como lhe imprimiste uma dinâmica de vitória e deixaste bases para que continuasse a ser candidato, independentemente de quem estivesse ao comando (como se provou este ano, sem desprimor por Ancelloti). Seguiu-se Milão e a história repete-se, sendo que desta vez poderás mesmo reerguer a Champions que tanto te escapa.

Já não há argumentos para negar que tu és um Treinador de nível superlativo, tacticamente perfeito, que domina todas as facetas do jogo e com um “Plus” que te distingue dos restantes: enquanto o comum dos treinadores de Top “domina” a componente Psicológica do jogo, tu consegues manipula-la a teu favor, mantendo os adeptos ao lado da equipa e os jogadores a salvo de pressões desnecessárias. Para isso, criaste para ti uma “Persona” que segue invariavelmente o ditame de “tudo pelos meus jogadores, nada contra eles mas todos contra mim e tudo e todos contra os nossos adversários” (corrige-me por favor se estiver enganado mas penso que é mesmo isto), adorada pelos seus adeptos e naturalmente odiada por todos os adversários.

Foi precisamente esse teu estilo polémico que te granjeou inimigos no futebol, sejam eles Treinadores, Dirigentes, Jornalistas ou Clubes. Sim, clubes. Quis o destino que defrontasses (e vencesses) o F.C.Barcelona as vezes suficientes para que te incompatibilizasses de vez com aquela instituição. É pena, confesso que gostava de te ver treinar aquele clube, mas talvez fosse desejar demasiado; O Barça segue uma Filosofia iniciada com Cruijff e ainda hoje mantida com Guardiola. Tu irias certamente impor as tuas ideias, mas ao contrário dos supracitados não acredito que deixasses escola, pois se há algo que a tua história de vida revela é que nunca foste de criar raízes (tentaste porventura no Chelsea, mas aí arrancaram-te...). Já os outros não te perdoam a pose arrogante ou o facto de possuíres uma imagem que faz de ti uma Estrela Rock entre os Treinadores de Futebol. É demasiado.

Outros, mais racionais e teóricos, apontam-te o facto de as tuas equipas serem defensivas, e creio que neste ponto nunca haverá consenso, pois em todos os Clubes que passaste as tuas equipas tanto parecem capazes de golear tudo o que lhes aparece à frente como de lutar desalmadamente pela vitória pela margem mínima. Mas compreendo-te, há demasiadas coisas em jogo (e não deve ser fácil correr riscos quando o teu ordenado é superior à soma do dos restantes Técnicos da Serie A..), e já a Helenio Herrera, antigo treinador do Inter com quem tantas vezes és comparado, lhe colaram a etiqueta de defensivo inveterado, esquecendo-se que as suas equipas, além de serem as menos goleadas, também eram as mais goleadoras…

Mas disperso-me. O que eu quero mesmo é desejar-te boa sorte para a final da Champions com o Bayern, onde enfrentarás um antigo professor e velha raposa como é Van Gall e onde a vitória estará para ti acima de qualquer noção de espectáculo. Seria hipócrita criticar-te. Há 6 anos vi como o meu clube destroçava o Mónaco com um resultado brutal para uma final europeia nos tempos modernos (3-0!) naquele que foi seguramente um dos piores jogos (sobretudo na 1ª parte) que o Porto fez sobre o teu Consulado. E nem por isso deixou de ser maravilhoso. Por isso, desde a Invicta,

Obrigado Zé. E Boa Sorte

2 comentários:

JOSE LIMA disse...

"Faço minhas as palavras do orador anterior".
Agora fora de brincadeiras: excelente texto Mito mas, não nos podemos esquecer dos "outros" que também foram campeões no nosso clube.
Abraço

Penta disse...

subscrevo, na íntegra, a carta aberta ao 'Il Speciale'.

no entanto, sabendo-se como a sua personalidade é irascível, duvido que o Mourinho consiga fazer as pazes com o FCP e os seus adeptos. infelizmente, pois foi (n)esta casa que o tornou conhecido por esse Mundo fora e onde "amadureceu" as suas ideias e convicções.

saudações PENTACAMPEÃS!