Esclareça-se desde já que, não tendo nada contra, também não morro de amores pelos Ingleses. Alianças históricas aparte, creio que são dos povos com os quais nós nos poderemos menos identificar. E contudo, justa ou injustamente, são tidos e achados como os inventores do Futebol. E estão de parabéns por isso. Até ponho o título desta crónica em Inglês, em jeito de homenagem e “faiplay” (esta também é deles, embora não os ache assim tão idóneos, mas adiante..).
Mas porque é que uma pessoa há-de passar 90m (no mínimo) a ver 22 jogadores a correr atrás de uma bola? – sendo que a cada ano que passa dá-se cada vez mais importância ao acto de “correr”, sob pena de se ser severamente assobiado (aqui não me perguntem porquê). O Futebol é dos desportos mais jovens à face da terra, e no entanto disseminou-se pelo mundo como nenhum outro o fez anteriormente.
As razões disso acontecer são tão simples e tão complexas como o jogo em si: para se jogar futebol é preciso uma bola, 2 adversários e duas balizas (ou seja, um espaço de algum modo demarcado e que deverá ser trespassado pela bola). Para se praticar atletismo, ou mesmo boxe, há que ser ágil e forte em doses iguais; já para se praticar Futebol basta ser “bom de bola”, e aí reside toda a diferença. Jogadores como Maradona, Pelé, Romário, Zico, António Oliveira, Deco, Xavi, Baggio, Papin, Pirlo, João Pinto, Del Piero e tantos outros consagraram-me como intérpretes deste desporto não por serem geneticamente predispostos para a prática desportiva, mas porque foram abençoados com um talento que os colocou numa divisão aparte dos seus colegas de profissão.
É que o futebol tem nuances maravilhosas. Um adversário pode até gabar-se de correr 100m em menos de 10s, e no entanto basta apanhar pela frente alguém que lhe diz “eu leio e antecipo um lance 3x mais rápido que tu” que é o suficiente para ficar calado, pois saberá que é de todos o mais lento a jogar, e aqui é impossível não estabelecer um paralelismo com o Xadrez, onde um desafio não é ganho num momento isolado de inspiração, mas antes num tremendo poder de antecipação.
Claro que a componente física tem a sua importância, e basta evocarmos nomes como Gulit ou Zidane para recordarmos jogadores que era virtualmente impossível serem desarmados, pois aliavam técnica e robustez em doses iguais.. O futebol funde todos estes mundos: Técnica e táctica; Improviso e Estratégia. Paladares para todos. Futebol para todos. Democracia pura. Aí reside grande parte da superioridade deste desporto; a sua diversidade, pois é possível ganhar um jogo de todas as formas. Desde o Cattenacio de Helenio Herrera até à Loucura do Dream Team de Cruijff, passando pelo mais arcaico Kick and Rush Britânico, onde a bola ía directamente do Guarda Redes para o Ala sendo daí imediatamente bombeada (ou bombardeada..) para a área adversária, onde por uns segundos os defesas e os avançados pareciam praticar Râguebi.
Mas o melhor deste desporto sempre foram os seus Artistas; Quando vemos um jogo não se trata só de observar diferentes intérpretes, mas concepções e obras diferentes. Rui Costa e Zidane conseguiam isolar um jogador a 50m de distância, mas a forma como executavam o passe e colocavam o corpo era sempre diferente. Não é o mesmo observar Peter Schmeichel e Buffon entre os postes, pois sendo ambos autênticos Super-Homens o Italiano sempre foi mais rápido nas saídas e sóbrio nas intervenções (além de gritar menos com os companheiros da defesa). Ver Edgar Davids a varrer o meio campo defensivo era sempre espectacular, pois fazia-o a tal ritmo que parecia estar ligado a uma turbina; já Fernando Redondo e Paulo Sousa faziam exactamente o mesmo mas vestidos de Smoking e de batuta na mão – pois preferiam pôr a equipa a correr na direcção certa. Beckham faz cruzamentos como se tivesse um compasso na chuteira, enquanto Quaresma parece querer fazê-lo sempre da maneira que se lhe afigurar mais difícil. Luís Figo e Dejan Savicevic foram para mim os melhores “dribladores” dos anos 90, mas também aqui não faço confusões: Figo junto à linha; Savicevic em zonas mais centrais. De resto, quantos mais adversários surgissem, mais ficavam por terra - nisso eram iguais.
E se na história da Pintura ou da Música sempre proliferaram os génios incompreendidos, que morreram na miséria e só muito depois viram reconhecido o seu génio, também aqui o Futebol não fica nada a dever ás outras artes. Pensemos em Garrincha, no seu génio dos relvados e no farrapo em que se tornou, e não podemos deixar de pensar que este jogo também foi beber algo ás tragédias clássicas.
Se pararmos um pouco e olharmos para este jogo além do óbvio, descobriremos um dos melhores espectáculos visuais e naturalmente cénicos que nos é possível observar: a vertigem de uma bola rematada em força e o suspense de uma bola colocada em jeito; as corridas desenfreadas de Ronaldo (qualquer um dos dois) e a condução segura de Van Basten ou Ibrahimovic, que por momentos mais parecem atletas de ginástica rítmica, tal a sua coordenação de movimentos.
Há quem prefira filmes de ficção, e há quem prefira filmes de suspense, aventura ou acção. Também aqui o futebol é idêntico: Consoante o meu paladar, sintonizo o espectáculo da minha preferência: Se quiser eficácia, sintonizo o Real Madrid, que em 4 oportunidades de golo concretiza 3 e meia sem se despentear; se quiser Cálcio puro e duro, sintonizo o Chelsea, cujo meio-campo tem uma mescla anormal de técnica e força, bastando-lhe marcar um golo e depois aguentar o resultado como o bloco de betão que efectivamente é; e caso queira o Menu Completo sintonizo o Barcelona - Passe para um lado, passe para o outro, passe para trás, passe para a frente - e em todas as acções cabeça erguida e atenta ás desmarcações dos companheiros – assistência, golo! Menu completo. Perfeito.
Depois existe toda a mística que rodeia os clubes e nos revela a sua identidade: Dos milionários do River Plate até à alçada da ditadura Romena do Steaua Bucareste; da alma operária do Liverpool passando pelo Orgulho Nortenho do Porto ou pelos ventos de Leste que fizeram a força do Dynamo Kiev – que a Perestroika mais tarde dilacerou.
Não sou ingénuo. Sei que nos seus pouco mais de 100 anos de existência o Futebol abrigou os sonhos e alegrias de milhões de pessoas, mas inevitavelmente chegará o dia em que este jogo, tal como entrou, também sairá dos corações dos povos e será abandonado.
Quando nos fartamos de ver 22 jogadores “a correr atrás da bola” a vida vai perder uma pequena parte do seu encanto e ilusão - a mesma que guiou equipas perfeitamente desconhecidas a feitos ditos impossíveis.
Estando esse tempo fatídico ainda distante, também não me preocupo em demasia: em qualquer país, em qualquer lugar, duas crianças num qualquer descampado ou jardim hão-de encontrar um bola perdida e sem perceber como nem porquê vão começar a falar-se…e a Jogar. Qual rio que encontra sempre um local onde desaguar… Mas por agora dêem-me licença, que vou ali ao café ver a bola a rolar...
2 comentários:
Excelente !
Pelos vistos a "inspiração" foi muito bem digerida caro Mito ;-)
Mais uma vez, um exclente texto sobre um tema que toca a todos nós.
Futebol é paixão. Mais nada!!!
Forte abraço e Saudações Portistas!!!
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