sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Voando Sobre um Ninho de Cucos

Tudo começa com a chegada de R. P. McMurphy (brilhante Jack Nicholson) ao hospital psiquiátrico. McMurphy não é senão um doente incurável, novamente apanhado pelas autoridades, e que, como forma de evitar a prisão e abraçar uma vida de luxo e de conforto, alega insanidade mental.
Do riso às lágrimas, Voando Sobre Um Ninho de Cucos concretiza um estudo assaz pertinente sobre as ténues fronteiras entre a saúde e a doença mental. É recebido pelo Dr. Spivey, que lhe analisa o relatório e o histórico. O documento revela uma personalidade conflituosa, preguiçosa e que fala sem autorização. Contudo, McMurphy aparenta ser um homem muito inteligente, disposto a colaborar a 100% com os médicos. Sofre ou não de distúrbio mental? Rapidamente se aperceberá de que, naquela clínica, a resposta pouco importa.
McMurphy encontra uma ala de homens claramente perturbados, cada um com as suas particularidades: o feio Mr. Fredrickson, viciado em cigarros, o índio-chefe Bromden, falso surdo-mudo e com talento para o basket, o frontal Taber, que adora fazer apostas, Billy Bibbit, o gago apaixonado, o sorridente Martini, o infantilóide Mr. Cheswick ou o culto Mr. Harding.
Arrisco-me a dizer que mesmo que não sejam doidos, os pacientes são de tal forma tratados que ou se convertem à loucura, por sua livre vontade, ou se condenam a si próprios, a um sem fim de castigos que os deixarão irreconhecíveis. Refiro-me, nomeadamente, ao tratamento por choques eléctricos. Os internados vivem com medo constante, obedientes a todos os estímulos que nem cãezinhos de Pavlov, sujeitos à autoridade de um sistema que os exclui e destrói.
Todos se reúnem para dialogar ou para evitar o isolamento. Mas as conversas não surgem espontânea ou naturalmente. Temendo represálias, os doentes abdicam das suas privacidade e vontade próprias e respondem, ficando ainda mais ansiosos. McMurphy apercebe-se desta monstruosa realidade e fica revoltado, empenhando-se para trazer a razão de volta ao hospital. Mas ninguém quer saber de irreverências ou de provocações.
O sistema não trata os loucos como humanos, independentemente das suas perturbações. McMurphy tenta com que Ratched lhes dê permissão para assistirem ao futebol pela televisão. A enfermeira concede verem o jogo, os pacientes jamais a desafiariam. McMurphy vai para a frente do televisor e imagina-se a participar no jogo, qual maluquinho, gritando e vibrando com as emoções da partida, atropelando tudo e todos.
Mais tarde, viremos a descobrir que muitos dos hóspedes da clínica são voluntários. Ou pelo menos, começaram como voluntários. Um pouco como McMurphy. É fácil entrar. O difícil é sair. Há sempre uma forma de subverter a realidade e considerar alguém louco. Os médicos podem não ver um louco em McMurphy, podem ver alguém extremamente perigoso - e isso basta-lhes para justificar um distúrbio, para justificar a sua perpétua clausura naquele centro.
Quem não é doido, passa por doido, mas acaba inevitavelmente sem autonomia, digno de descrédito. Veja-se o que acaba por acontecer a outro internado, Yannick, quando tem a oportunidade de escapar mas deixa-se ficar, naquele refúgio do mundo. Um grande filme, clássico intemporal, soberbamente realizado por Milos Forman.
Nota: Qualquer semelhança com factos ou pessoas reais é pura coincidência.
 
Até à próxima

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