Benfica à moda de um Portista

Se há qualidade numa pessoa que menos gosto é hipocrisia. Pessoas hipócritas são pessoas falsas e mentirosas. E a hipocrisia é uma característica muito comum no futebol de hoje. O que se vê muito por aí são pessoas de certos clubes a dizerem "ai e tal, eu não comento nada sobre esse clube" e depois à primeira oportunidade - e sobretudo quando lhes convém - lá vem essa mesma pessoa sem interesse no tal clube dar logo a sua opinião. Isto é um fenómeno e uma característica muito comum nos nossos dirigentes. O do FC Porto incluído. Sim, o Pinto da Costa. Um dia os assuntos do Benfica não interessam para nada como no dia seguinte o nosso presidente através da sua fina ironia e um conjunto de metáforas lá espeta a sua opinião.

Portanto, eu como não gosto de ser hipócrita e dizer que não falo do Benfica e que não me interesso pelo Benfica, a minha contribuição desta semana incide precisamente sobre uma análise ao actual momento do Benfica.

O Benfica de 2009/2010 é antes de mais um equipa - administrativa, directiva e técnica - com a corda ao pescoço. O início da época viu o Presidente do Benfica ser re-eleito com uma margem enorme. Independentemente das questões legais que o processo de eleição conheceu, os sócios do Benfica deram um enorme voto de confiança ao actual presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira. Apesar da direcção ter-se demitido em bloco, o Benfica desde cedo e sem direcção começou a preparar a época contratando o Patric e o Ramires. Nem treinador havia, se bem que era sabido que a opção número 1 era Jorge Jesus, e já o Benfica tinha dois nomes assegurados.

Continuando, os sócios que elegeram o actual Presidente do Benfica também elegeram a continuidade da equipa directiva encabeçada pelo director desportivo, Rui Costa. O primeiro ano no cargo correra extremamente mal. Rui Costa havia depositado enorme esperança em Quique Flores, a sua terceira ou quarta escolha, logo a seguir a Sven Goran Eriksson e Scolari e sabe-se lá mais quem. Um investimento de perto de 25 milhões de euros também rendera ao Benfica um terceiro lugar e apenas a Taça da Liga nas condições que sabemos. Portanto, depois de uma primeira época medíocre, os sócios do Benfica permitiram que o menino de LFV tentasse a sua sorte uma segunda vez.

Agora mais interventivo nas decisões desportivas, o Presidente do Benfica assegurou, apesar das dificuldades que eventualmente o Pinto da Costa e companhia terão colocado, a sua primeira escolha: Jorge Jesus. Vamos ser francos. O Presidente do FC Porto é certamente admirador do Jorge Jesus e certamente que Jorge Jesus seria, na sua visão, o natural sucessor de Jesualdo num eventual fracasso desportivo do Porto. Sim, Jesualdo renovou depois do jogo com o Manchester no Dragão, mas o Jesus não deixaria de ser uma primeira opção. Portanto, ao contratar o Jorge Jesus, treinador que mostrou competência tanto no Belenenses e no Braga, LFV jogava o seu primeiro trunfo na elaboração de uma época de sucesso.

Os sócios do Benfica viram durante a pré-época chegar um vasto conjunto de jogadores à Luz: Saviola, Javi Garcia, Keirisson (promessa brasileira emprestado pelo Barcelona), Ramires, Schaffer e César Peixoto (entre outros). 25 milhões de euros foi o valor desembolsado pela SAD. A questão que se coloca é: de onde veio tanto dinheiro? Se na época anterior gastaram-se 25 milhões e não se recebeu nenhum; como é que nesta época se pôde fazer o mesmo? As notícias que saíram indicavam a utilização antecipada e hipoteca de receitas provenientes do patrocínio de uma marca durante os próximos 10 anos (se estiver enganado, peço desculpa pelo erro). Portanto, utilizando fundos que em teoria ainda não tinham entrado para os cofres construiu-se a equipa que iria atacar o tetra-campeão Porto.

E a pré-época correu bem. Vitórias em algumas Taças - sim, algumas contra equipas acessíveis - renderam uma melhoria no moral da equipa. Desde cedo se percebeu que o Benfica estava diferente. E diferente para melhor. A pré-época mostrou um Benfica bastante fresco apesar da carga de jogos; um Benfica a pressionar alto e a jogar ao primeiro toque e com várias triangulações entre os dois avançados - Cardozo e Saviola - e sobretudo dois médios de apoio - Di Maria e Aimar. Com as relativamente boas exibições surgiu a natural euforia da massa Benfiquista. No entanto, mais do que em anos anteriores, transpirava-se confiança no seio benfiquista. O futebol era bom e convincente.

Com o início da época surgiu o primeiro contratempo. Dois pontos perdidos em casa contra o Marítimo. Havia dois prismas pelo qual os adeptos de futebol podiam ver esse empate. Um: que afinal o Benfica era mortal e não imbatível e dois: que o Marítimo teve sorte em não sair de lá com a derrota e que o Benfica teve mero azar. Apesar de ter ficado contente com o empate, vi o empate pelo segundo prisma. O Benfica passou a pré-época a jogar contra equipas que queriam jogar futebol e jogavam aberto e não precisavam de defender o resultado. Com essa atitude, mais facilmente o Benfica arranjava espaços para praticar o seu futebol. No entanto, com um autocarro à frente da baliza, torna-se tudo mais complicado para o Benfica. Tal como o Porto no ano anterior, os autocarros dos adversários à frente da baliza custara pontos quando jogava em casa. Portanto sim, o Benfica fez mais do que o suficiente para ter ganho o jogo e de facto o Marítimo teve sorte mas claro, também o mérito. Na jornada seguinte, em Guimarães, aí sim, o Benfica regressou à terra. Fez um jogo fraco e ganhou em cima do apito. Mostrou ser uma equipa batível sem que seja necessário colocar onze jogadores atrás da linha da bola. No entanto, nesta segunda viu-se um novo Benfica. Um Benfica motivadissimo, rápido, confiante, pressionante.Sim, o Setúbal transpirou futebol de uma equipa das distritais; mas mesmo assim, o Benfica mostrou-se muito bem tendo sido necessário os jogadores do Setúbal cometer várias faltas mais duras para parar o ataque do Benfica. Mais interessante ainda foi a forma como o Benfica não deixou de lutar e correr até o último segundo fazendo parecer que os 7-0 eram um 1-1.

Ora, como um portista como eu nunca fez tanto elogio e, caso o leitor aguentou até aqui, vamos analisar rapidamente as razões, no meu entender, pelo sucesso do Benfica.

Jorge Jesus. Há quem o goste. Há quem não o goste. Há quem pense que os seus métodos são antiquados e sujeitam os jogadores a esforços físicos desnecessários e exagerados. Não sei. Não sou treinador. No entanto, o que sei é que ele fez um bom trabalho no Belenenses e no Braga. As ideias que existem de que os seus métodos levam a que os jogadores chegam a meio da época e depois estoiram... a ver vamos se se verifica. A verdade é que os métodos de Jorge Jesus transformaram por completo o Benfica em termos tácticos, ofensivos, mentais e psicológicos. O Benfica tem agora uma estrutura em campo. São onze jogadores que sabem onde têm que jogar e que sabem o que têm que fazer... Algo que não acontecia com o Quique Flores onde havia médios a jogar no ataque, guarda-redes a lateral, defesas a jogar a 10.... etc... (permitem-me a ironia e o exagero). O seu trabalho tem também reflectido nos jogadores do Benfica dos quais destaco os seguintes:

Di Maria. Vou ser sincero. A seguir ou ao nível do João Moutinho, o Di Maria é o maior queixinhas do futebol portugues. No entanto, mostrou neste início de época ser também um dos mais dotados tecnicamente. O Di Maria tem mostrado um futebol muito acima do que se viu com Quique. É agora também mais jogador de equipa e com mais sentido colectivo. Claro que também não perderá uma oportunidades para fazer umas fintas mas acima de tudo é agora um jogador transformado e para melhor.

David Luiz. Vou ser sincero outra vez. Não gosto dele como os benfiquistas não gostam do Bruno Alves. Aliás, o David está para o Benfica como o Bruno está para o Porto. É um defesa que dá tudo e que joga com grande intensidade e com uma boa agressividade futebolística. Claro que por vezes exagera e sai impune. Mas também qualquer portista sensato sabe que o Bruno Alves também já se safou de vermelhos várias vezes. O David Luiz é o pilar daquela defesa. Qual Luisão qual quê? O Benfica sem e com o David é completamente diferente e para pior; muito mais insegura na e muito menos esclarecida. O Luisão pode ser a voz de comando mas apenas porque tem um maior número de anos de casa.

Aimar. Muito riso me deu no ano passado ver o Aimar a jogar. Colado ao ponta-de-lança, o Aimar na frente de ataque era como uma gazela no meio de uma dúzia de leões. Perdido, espantado e tudo que podem imaginar. Diria Quique que o Aimar não aguentaria 60 minutos na posição 10 quanto mais 90. Talvez. O actual Aimar veio-lhe mostrar que estava enganado. A ele, a mim e a todos. Talvez eu também me venha a enganar mas este Aimar é muito mais parecido com aquele internacional argentino que tão bem conhecíamos. Agora sim, o Aimar é um jogador que sabe distribuir o jogo. É o ponto chave do trabalho ofensivo do Benfica. Veremos se ele consegue durar 90 minutos. Veremos se consegue durar uma época. Veremos...

Por fim Cardozo. Muitos de nós (portistas e sportinguistas) rimo-nos com o valor desembolsado pelo Benfica para adquirir o passe de Cardozo. Se calhar porque ninguém realmente o conhecia. Quem é essa torre que vai pelo nome de Cardozo e que custou quase 10 milhões de Euros. Foi aposta de José Veiga quando ainda era útil ao Benfica. No seu primeiro ano, ano de adaptação a um novo clube, novo continente, novo país e novo modelo de futebol, marcou 13 golos. Na segunda época, tendo jogado 70% da época, marcou 17 golos. Quem percebe alguma coisa de futebol consegue perceber que o Cardozo é um avançado acima da média. Não sendo letal na cabeça nem muito hábil com o pé direito, tem a sua mais valia num pé esquerdo potente e certeiro. Jogando só na grande área não lhe convém... Nem ele saberia como. No entanto, com um Saviola ao seu lado, a jogar para e com ele, tudo torna-se mais fácil e o Cardozo mostra ser muito mais letal na hora da finalização. É certamente um avançado a ter em conta...

São estes os pontos chave - por enquanto - neste Benfica 2009/2010. Porquê tanto interesse no Benfica desta época? Porque razão estou eu a falar do Benfica em vez do Porto? Pela simples razão de que o Benfica interessa tanto ao Porto como o Porto interessa ao Benfica. Será, ao que tudo indica, o mais sério candidato a tirar o título ao Porto. Claro que só estamos no início. Mas eu, infelizmente, acredito que o Benfica está muito diferente e para melhor. Não creio que chegará Fevereiro e o Benfica estará arrumado de qualquer luta. Creio que o Benfica é uma maior ameaça do que qualquer um de nós - falo de portistas e sportinguistas - pensa.

Mas no final do campeonato faremos contas. E vá, se eu estiver errado... toda a gente ganha na mesma.

Saudações.