sexta-feira, 7 de setembro de 2012

"Justiça" (pouco) Desportiva.

O termo Justiça Desportiva sempre me fez confusão. Mesmo enquanto frequentava cursos de direito desportivo sempre coloquei em causa tal expressão, pelo simples facto que sempre aprendi que a Justiça de verdade é aquela que advém dos tribunais. Tribunais estes compostos por magistrados no pleno exercício das suas funções, com poderes, mas também responsabilidades e que podem usar de mais meios de prova e são obrigado a possuir um grau de independência e isenção que não tem comparação com nenhuma outra profissão.
Como considerar justiça, decisões que são proferidas por órgãos cujos membros são eleitos pelos clubes ? Como posso considerar justiça quando vejo a Justiça comum e soberana a ilibar determinados factos, tendo mais meios de prova que qualquer outro órgão, mas depois assistir a condenações esdruxulas como a que assistimos na antiga CD da Liga? Ou como a que assistimos no caso do Gil Vicente. Como acreditar numa justiça que não defende nem respeita princípios elementares de Direito como o contraditório ou o direito de recurso?
 
A justiça pretende-se cega. Como posso acreditar em justiça que é promovida por órgãos compostos por elementos que não têm qualquer tipo de pejo em demonstrar a sua paixão clubística, pois sabem que as suas decisões embora possam ter influências para os demais, no caso de romperem com princípios elementares, e serem por isso ilegais, os seus autores nunca pagarão por esse tipo de erros? Uma Justiça em que 5 membros após uma reunião encerrada, começam-na à revelia do presidente vice-presidente do órgão e acham que tudo aquilo é do mais legal possível?
 
Por isso defendi sempre a criação de um tribunal do Desporto. Não um tribunal arbitral, porque isso seria mudar o nome e manter o mesmo estado de coisas. Seria ver quem colocava lá mais gente de cada clube. Era um contar de espingardas. Defendo a criação de um tribunal de competência especializada que seja integrado na organização judiciária.
 
Porquê? Porque aí não existirão vícios. Os membros seriam designados pelo Conselho Superior de Magistratura e estariam sob a sua alçada tal como todos os demais magistrados. Não poderiam fazer acórdãos absurdos e escapar impunes. Assim não teríamos assistido à ridícula condenação do Gil Vicente, o Boavista ainda estaria na 1ª Liga, e seria escusado esperar pelo Tribunal Administrativo para nos dizer aquilo que qualquer jurista ou não jurista já sabe, que as condenações nesses órgãos desportivos ao longo dos anos foram ilegais, condenando e prejudicado de forma séria e grave uma série de intervenientes, pessoas individuais e colectivas. Prejuízos alguns, difíceis de calcular. Processos Kafkianos, totalmente inquinados desde o seu começo e que se viriam a provar dessa forma quando passaram para a Justiça de verdade. A que é proferida nos órgãos que têm a faculdade de fazer Justiça conferida pelo Estado Português.
Claro que para os que beneficiam dessa “Justiça Desportiva”, tudo o que digam os tribunais comuns não conta, ainda que sejam esses que têm a tarefa de julgar. Para esses senhores a justiça só funciona quando condena, ainda que atropele todos os princípios e desrespeite regras e procedimentos. Interessa é condenar quem não se gosta. Se condena é boa justiça, se absolve é porque não funciona. Reside aí um dos enormes problemas da forma como o cidadão comum encara a Justiça.
 
Tudo isto a propósito da nova invenção da chamada “Justiça Desportiva”. Um acórdão absolutamente ridículo a propósito da também ridícula condenação de 15 dias a Jorge Jesus numa altura em que o campeonato está parado. O timing em si já descredibiliza por completo o órgão decisório. Mas quando se pensava que a descredibilização seria apenas mais uma facada na chamada “justiça desportiva”, eis que assistimos ao fim da picada,  ao ser tornado público o acórdão com o voto vencido do presidente do Conselho de Disciplina da FPF - Secção Profissional, o Juís Jubilado Herculano Lima. Isto entronca com a minha introdução ao tema… O juíz jubilado Herculano Lima e a sua actuação é o paradigma exacto do estado actual da justiça desportiva e da necessidade de haver uma mudança.
Ora o presidente de um órgão desta importância que se deveria pautar pelo estrito cumprimento dos regulamentos e a sua aplicação analisando os casos concretos de forma isenta e imparcial, devendo cingir-se a julgar os factos, deixa o seguinte voto de vencido acerca da condenação de Jorge Jesus por ofensa ao bom nome e reputação do árbitro assistente Ricardo Santos :
 
É absolutamente incontroverso que o árbitro auxiliar cometeu um grave erro ao não assinalar o fora de jogo do qual decorreu um golo e a derrota do clube local.
 
Dessa falta muito grave e indiscutível resultou a vitória do clube visitante e a consequente vitória no campeonato, por parte do clube que beneficiou daquele erro.
 
Estamos, assim, perante uma situação em que a arbitragem contribuíu, por forma decisiva, para a adulturação do resultado desportivo. (…)
 
O árbitro em causa tinha todas as condições para ver a falta e tinha a obrigação funcional de o fazer, e não o fez, por motivações que só ele sabe… (…)
 
Isto é, o treinador, que era um dos grandes ofendidos do erro cometido, passou, por artes mágicas a arguido, e nessa qualidade, punido disciplinarmente…
 
E o chorrilho de disparates continua. Ao ponto do senhor Herculino nem conseguir discernir o que é uma crítica técnica e objectiva de uma insinuação sobre a falta de seriedade de um árbitro que “vê mas que não marca porque não quer”.
O mais grave aqui é vermos um Juíz Jubilado do Supremo Tribunal de Justiça fazer de conta que nunca ouviu falar do princípio do pedido, ou do facto que ele está adstrito a julgar apenas os factos alegados pelas partes e nada mais. Ou seja, não cabe ao decisor fazer juízos de valor sobre factos que nada têm a ver com a decisão. Muito menos se espera que o juíz seja um comentador desportivo. Mesmo como comentador falhou. Alega factos que são falsos ou que não pode provar. Como a alegação de que por aquele erro o Benfica perdeu o campeonato. Como pode ele afirmar tal coisa quando o Benfica terminou o campeonato a mais que 3 pontos do Porto, bastantes mais até? Ou a influência directa no resultado com benefício para o F. C. Porto quando minutos antes no mesmo jogo ficou um penalti claro por marcar a favor do F. C. Porto…? Mas repararam como já me ia deixar levar? Parece que estou a discutir futebol no café com um benfiquista…
 
Mas não. Isto trata-se do Presidente do Conselho de Disciplina da FPF, a quem se pedia que se limitasse a pronunciar sobre se as declarações de Jorge Jesus ofendem ou não a honra e o bom nome do juíz auxiliar Ricardo Santos. É este o objecto da acção e nada mais. É apenas sobre isto que se deve pronunciar. O que assistimos é  algo bastante grave. Não só um excesso de pronúncia, algo que em processo civil daria direito a nulidade da sentença, pois pela vontade do Juíz Herculano Lima o que se julgaria ali já não seria Jorge Jesus (que na sua opinião até é vítima) mas sim um caso de adulteração/viciação dos resultados desportivos de forma aparentemente premeditada por parte de um árbitro.  Herculano Lima não só não condena, como apoia Jorge Jesus e se junta a ele para, em coro, ofender a honra e o bom nome do árbitro colocando em causa a sua seriedade sem provas. Mas não só, até vai mais longe e diz ainda, que foi aquele acto em concreto que decidiu um campeonato inteiro.
 
É o problema dos juízes jubilados… Muitos já atingiram aquela idade em que sentem que podem dizer e fazer tudo o que lhes apetece porque não sofrem as consequências… E não sofre mesmo, afinal é jubilado… O que lhe pode fazer o Conselho Superior de Magistratura? Assistimos assim a um Juíz jubilado que através do seu voto de vencido tornado público incorre na prática de um crime de difamação. Uma vez que insinua sem provas, colocando, tal como Jorge Jesus em causa a honra e o bom nome de um árbitro. Mas lá está, como é um juíz jubilado deve sentir que é inimputável.
Com tudo isto, apenas fica claro aos olhos de todos que a dita “Justiça Desportiva” carece de credibilidade. Pessoas como o senhor Herculano Lima não garantem isenção e imparcialidade para o cargo, parecendo que se esqueceram de tudo aquilo que aprenderam no exercício da sua profissão. Servem outros interesses que não os da justa e rigorosa aplicação dos regulamentos disciplinares. Por tudo isto, após a triste figura que fez e que só mancha a sua carreira, resta ao senhor Herculano Lima ter o mínimo de decência e abandonar o cargo de Presidente da Comissão Disciplinar da FPF. E esta é a secção disciplinar profissional, supostamente… Vejamos o que nos espera da amadora que julgará Luisão… Se a profissional é assim… A diferença é que a amadora terá a Fifa à perna e aí as consequências poderão ser outras.

P.S. Uma parte hilariante do acórdão é quando mencionam a importância do castigo no início desta época desportiva como forma de prevenção geral, para que os demais agentes sintam que têm que elevar os seus padrões de comportamento… Realmente, acho que nada melhor define uma prevenção geral do que um castigo cumprido quando o campeonato está parado...

5 comentários:

Penta disse...

@ Ricardo

à hora (00:42) e data (2012-09-07) em que redijo estas linhas, este teu brilhante post já merecia uma caixa de comentários recheada ;)

nada mais acrescento ao que invocas, pois seria redundante.

abr@ço
Miguel | Tomo II

Ricardo Costa disse...

Muito obrigado pelo elogio caro Miguel. Vindo de quem vem, tem valor reforçado.;)

Grande abraço.

JOSE LIMA disse...

Pois é Ricardo!
Artigos destes são pérolas. Pena que, por razões que não conheço, o Mística tenha tão poucos comentários.
Agora, é fácil, mas posso dizer que nunca fui muito "à bola" com este Fernando Gomes e comitiva.
Este "castigo" deve ter mesmo deixado o "clube da treta" estupefacto, o que significa que muito mais, estará para vir por aí...
Os lugares no camarote presidencial começam a escassear, tantos os lacaios que por lá se sentam.
Abraço

JOSE LIMA disse...

Ricardo
Sabe quem vai ser a nova presidente do Conselho de Disciplina da Liga? A Dr. Cláudia Santos, ““docente da pós-graduação em Direito do Desporto, frequenta os círculos de amigos do Dr. Ricardo Costa e participou entre 2004 e 2005, no auge do Apito Dourado, em conferências sobre “Corrupção no Fenómeno Desportivo”, coordenadas pelo ex-presidente da Liga””
A senhora “foi indicada pela Comissão Executiva da Liga e indigitada, ontem, no Conselho de Presidentes. O FCPorto, como sempre, e o Braga foram ausências notadas na reunião de clubes”
In JN
Assim fica tudo mais claro. Nós (clube e/ou Sad) não pomos lá os pés. Quando, depois, formos comidos… não se admirem.
Abraço

Ricardo Costa disse...

Obrigado pelo comentário caro @José Lima.
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Sobre a nomeação da Drª Cláudia Lima. Eu fiz o curso de pós gradução ministrado pelo Dr. Ricardo Costa (um excelente professor, daí o meu espanto que uma pessoa tão capaz do ponto de vista académico tenha depois decisões tão estranhas...).
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Só posso dizer que no curso,tinhamos como um dos professores o advogado do Benfica...Acho que não é segredo nenhum a simpatia que o Dr. Ricardo Costa nutre por um determinado clube.
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Neste caso concreto,apenas podemos concluir que LFV segue fiel à estratégia de preferir ter lugares na Liga do que contratar jogadores.
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Um abraço.