domingo, 23 de junho de 2013

Mundial sub 20 : Da geração coragem à geração talento. (1ª parte)

Começou na passada 6ª feira a participação portuguesa no Mundial sub-20, com uma vitória no jogo inaugural com a Nigéria por 3-2.
 
Esta competição será um barómetro interessante para aferir do futuro da selecção portuguesa. Acima de tudo, é importante para desconstruir umas teses pessimistas de que não há futuro para o futebol português e que a formação não produz talento necessário para assegurar uma renovação. Curiosa esta posição dos arautos da desgraça numa altura em que Portugal há dois anos se sagrou vice-campeão do Mundo (algo que a geração actual da selecção principal nem chegou perto) de sub-20, e após uma boa prova nos europeus de sub-19 que agora chegam à Turquia como um dos favoritos ao título.
  • Geração Coragem- Do quase anonimato à quase glória
Há 2 anos por esta altura, iniciava-se o Mundial na Colômbia. A mesma competição, Portugal com participação assegurada, contudo, o estado de espírito não poderia ser mais distinto.
 
Se esta geração merece os holofotes da fama graças a jogadores talentosos e já mediáticos como Bruma, Tiago Ilori já titulares do Sporting, ou jogadores com lugar já nos planteis dos grandes Benfica e Porto, a geração anterior mereceu pouco mais que a indiferença por parte da comunicação social e do público em geral.
 
Aquela que haveria de ser chamada de geração coragem, partia para o Mundial com uma geração sem grandes feitos nem grandes figuras mediáticas, uma geração composta acima de tudo por jogadores que não tinham qualquer experiência no futebol sénior, outros que já haviam saído do seu país em busca de mais oportunidades para a sua carreira, devido à miopia dos grandes clubes portugueses. O craque, ou jogador mais mediático dessa geração era Sérgio Oliveira, uma promessa adiada do F. C. Porto, que muito cedo se estrou pela equipa principal, estabeleceu uma cláusula de rescisão recorde mas que a partir daí se viu emprestado a clubes inferiores sem nunca se conseguir destacar.
 
Portugal iniciou essa campanha com um empate com o Uruguai. Conseguiu duas vitórias por 1-0 com Camarões e Nova Zelandia, margem sempre curta e sem dar grande espectáculo mas com exibições repletas de entrega, rigor defensivo e um espírito colectivo enorme. Sem ninguém dar por isso, uma selecção em que ninguém acreditava, comandada pela velha raposa da formação o Prof. Ilídio Vale, já estava na fase seguinte e apurada em primeiro.
A partir daí o país começou timidamente a olhar para aqueles miúdos que ninguém dava nada, e que começavam a construir algo inesperado do lado de lá do Atlântico.
 
Nos oitavos de final nova goleada de 1-0 com a frágil Guatemala. Muitos desconfiavam que se tratava de sol de pouca dura, de pura sorte, e que a partir dos quartos-de-final ,Portugal iria baquear facilmente aos pés de selecções de enorme gabarito e tidas como favoritas. Selecções como: França, Espanha, Brasil, Argentina , Colombia ( que para além de jogar em casa contava com um talento chamado James Rodriguez…) ou o próprio México que levava aquela geração que mais tarde se celebraria campeã olímpica.
 
Selecções com talentos em maior quantidade e qualidade que Portugal e todos com experiência já em competições profissionais, principalmente a selecção mexicana e brasileira. Só a partir dos quartos-de-final começaram os jogos da nossa selecção a serem transmitidos pela estação pública portuguesa. Portugal derrota a poderosa Argentina nos quartos-de-final após a lotaria dos penaltis. Nasce aí o epiteto da Geração Coragem. Nas meias-finais Portugal derrota outra grande favorita, a França, desta vez por 2-1.
 
Portugal chega à final com o Brasil com apenas um golo sofrido em toda a competição e acaba derrotado num jogo épico perante uma selecção superiormente comandada por Oscar ( marcou 3 golos nessa final )que é hoje provavelmente o grande jogador brasileiro da actualidade a jogar na Europa. Um jogo em que Portugal levou o Brasil ao limite, e que em que vimos como ainda é possível um colectivo forte e com enorme capacidade de sofrimento, ser capaz de equilibrar e até se colocar por cima num jogo com uma equipa com talentos infinitamente superiores.
 
Uma equipa que tinha como base titular: Mika, Cedric, N. Reis, Roderick, Mário Rui; Pelé, Danilo, Sana/J. Alves, S. Oliveira; Alex e N. Oliveira 
Portugal sem deslumbrar, soube fazer das fraquezas forças ao longo da competição. Não tinha tanto talento como os adversários? Então não tinha problemas em baixar linhas, apostar no rigor defensivo, concentração e acima de tudo num enorme querer. Portugal era fortíssimo na organização defensiva ( algo pouco típico nas equipas portuguesa), e sabia explorar bem os momentos de contra ataque para marcar um golo ( quase sempre graças a N. Oliveira que jogava muito isolado na frente), e defender a magra vantagem.
 
Uma equipa com jogadores sem experiência nos seniores mas que graças à sagacidade de Ilídio Vale conseguia parecer uma equipa de jogadores tarimbados na forma como geria os ritmos do jogo como melhor lhe convinha.
 
Acho curioso quando se fala que P. Bento faz milagres com a actual geração, sabendo que está empatado com uma selecção como Israel… Portugal pode não ter mais uma geração como a de 2004, mas continua a ter obrigação de estar no Mundial, e dá-se ao luxo de deixar de fora das convocatórias jogadores como: H. viana, Manuel Fernandes, Eliseu, Pizzi entre outros.
Acho que se não se deu o devido reconhecimento ao Professor Ilídio Vale. Um homem que dedicou a sua carreira à formação e que é provavelmente dos profissionais mais competentes na sua área de actuação. Conseguiu fazer uma equipa de juniores, desacreditada fazer um país acreditar que poderiam derrotar uma selecção brasileira com jogadores já titulares nos grandes clubes brasileiros e com talentos como Óscar, Danilo, Alex Sandro ( suplente!!), Fernando ( actual titular da selecção principal), Filipe Coutinho, Willian ( Shaktar Donetsk) ou ainda Casemiro que este ano já se estreou pela equipa principal do Real Madrid pela mão de José Mourinho.
Perante isto Portugal contrapôs um sensacional Nelson Oliveira que se transformou no craque da equipa. O jogador que sozinho no ataque colocava a cabeça em água a 3 e 4 defesas. Mas acima de tudo uma equipa muito unida. Um grupo muito solidário e em que se revelaram jogadores de enorme capacidade como Danilo ou Pelé ou ainda um surpreendente Mika que fez uma excelente prova.
  • Pontes entre gerações
Pouco haverá em comum entre as duas gerações. Tiago Ferreira o central do F. C. Porto b e uma das grandes esperanças da formação portista é o elo de ligação entre as duas gerações. O seleccionador é agora Edgar Borges, de forma algo incompreensível desaproveitou-se o contributo de Ilídio Vale.
 
Esta geração já leva o nome da geração talento desde Portugal graças a talentos como Bruma que tem aquecido esta silly season por se ter tornado um dos jogadores mais apetecidos pelos grandes tubarões europeus.
 
Esta geração, ao contrário da da Colômbia, chega à Turquia como uma das favoritas ao título. E tal não se deve apenas ao vice campeonato mundial da geração anterior, deve-se acima de tudo ao percurso desta geração desde os sub-19, e o facto de efectivamente já ter talentos que são naturais candidatos a figuras do torneio.
Há dois anos os portugueses descobriram talentos como Danilo e Pelé que já não figuravam sequer nas equipas portuguesas, ou ainda N. Oliveira que tinha já experiência no Paços de Ferreira mas sem ter chamado muito à atenção. Descobriu-se o guarda-redes Mika que pouco depois mereceu aposta por parte do Benfica.
 
Esta geração chega com jogadores já de cartel. Bruma e Ilori são titulares do Sporting, e a proliferação das equipas B permitiu que uma série de talentos pudesse chegar a este Mundial já com outra rodagem e mais conhecidos do grande público. Caso disso é João Mário capitão e figura do Sporting B, tal como Ricardo Esgaio também ele já estreante na equipa principal e ainda João Cancelo, apontado como sucessor de Maxi Pereira no Benfica e ainda Ricardo que foi figura fulcral do V. Guimarães esta época, ou ainda a promessa André Gomes que esta época mereceu já aposta de Jesus na primeira equipa do Benfica.
As expectativas são hoje mais altas. Prova disso é até o espaço dedicado pela imprensa desportiva a este Mundial, algo que não havia acontecido no de há dois anos. O mesmo se poderá dizer da transmissão dos jogos que agora já se faz desde o 1º jogo e com algum aparato ao contrário de há dois anos atrás.
 
Pontos de contacto entre as duas gerações talvez o facto de ambas as selecções começarem-se a destacar com duas figuras: uma na baliza e outra no ataque. Em 2011 eram Mika e N. Oliveira, hoje são José Sá ( Marítimo B) e Bruma.
  • Tirando estes pontos de contacto, tudo o resto é diferente
Esta Geração Talento tem a enorme vantagem de ser constituída por uma base de um clube, o que sempre ajuda em termos de entrosamento.
 
75% da equipa porventura, é constituída pela equipa de juniores do Sporting que se sagrou campeã nacional há dois anos e brilhou na Next Gen, uma espécie de Champions de sub-19.
 
Esta geração já no anterior Europeu de sub-19 conseguiu a qualificação goleando e esmagando os adversários que lhe saíram ao caminho e chegou também ao Europeu como uma das favoritas.
  • O Euro sub-19
No Europeu caiu num grupo forte com Espanha e Grécia que acabariam por ser as duas finalistas da competição. Soube a pouco o 3º lugar de Portugal no grupo, mais ainda quando se havia conseguido um empate 3-3 com uma geração fantástica de Espanha com Delafoue grande promessa do Barça e Jesé Rodriguez enorme promessa do Real Madrid.
Quando se pensava que o mais difícil estaria feito, Portugal foi surpreendido por uma forte geração grega, num jogo com algum azar pela forma como Portugal ficou reduzido a 10 ainda na 1ª parte e que terminou com a derrota e a eliminação antecipada de uma das candidatas ao título.
 
Portugal ficou pelo caminho, mas ficou claro para quem acompanhou a competição que provavelmente estavam no mesmo grupo as 3 das 4 equipas mais fortes em prova ( a outra era a França que acabaria eliminada por Espanha).
 
Dessa equipa comandada por Edgar Borges, saiu a base para esta selecção de sub-20. Uma ou outra alteração na convocatória, o aproveitar de alguns reforços vindos das experiências no Torneio de Toulon, e jogadores que foram aparecendo entretanto como Ricardo no V. Guimarães. A base dessa equipa de sub-19 era o Sporting campeão nacional de juniores. Mais concretamente 7 jogadores no 11 titular. Os outros 4 jogadores eram 3 do Benfica: João Cancelo, Daniel Martins e André Gomes e um do Porto, o central Tiago Ferreira.
Uma ausência notada nesse Europeu foi o central Ié, entretanto transferido para Barcelona com o seu colega do Sporting Agostinho Cá. Ié seria um dos pilares na defesa mas uma lesão de última hora afastou-o da prova e entregou assim a titularidade à dupla Ilori/Tiago Ferreira.
 
O onze tipo era então: Rafael Veloso, João Cancelo, Ilori, Tiago Ferreira, Daniel Martins na defesa; meio campo com: Agostinho Cá, João Mário e André Gomes; ataque entregue ao trio sportinguista: Bruma, Esgaio e Betinho.
 
Para o Mundial sub-20 Edgar Borges pôde aproveitar um torneio de Toulon que serviu para confirmar a qualidade de alguns jogadores para entregarem este grupo que já vinha formado. Reforços cirúrgicos para algumas lacunas detectadas. Uma delas no lugar de ponta de lança, onde Betinho apesar de competente, não era um jogador à altura dos extremos que o serviam. Daí que Gonçalo Paciência, um finalizador de créditos firmados ao longo de toda a sua formação no F. C. Porto se tenha constituído como opção.
 
Outra opção que surgiu do bom trabalho de prospecção da FPF, foi Aladje, jogador natural da Guiné Bissau e que se encontrava escondido na 3ª divisão italiana.
Infelizmente Gonçalo Paciência perdeu a oportunidade de estar no Mundial devido a uma lesão (lesões que o têm impedido de explodir como seria previsto). Assim sendo a opção de Edgar Borges recaiu sobre Ivan Cavaleiro. Jogador do Benfica b, que havia sido opção no Euro sub-19. Um jogador possante fisicamente mas que não é um jogador de área, é antes um extremo que pode aparecer na área para finalizar.
 
Tratou-se de uma opção algo discutível, tendo em conta que Edgar Borges optou assim por deixar de fora Betinho, titular desta selecção nos sub-19 e que conhece bem grande parte dos companheiros e que até se fala que pode vir a integrar o plantel principal do Sporting.
  • Diferença de modelo e postura em relação à Geração Coragem. Quais são as grandes diferenças entre esta geração e a que se sagrou vice- campeã do Mundo na Colômbia?
 Começamos logo no modelo de jogo. O 4-3-3 mantém-se tal como a força matriz de todas as selecções jovens, contudo este é um 4-3-3 mais claro e ofensivo. O 4-3-3 de Ilídio Vale, por vezes se transformava num 4-4-2 disfarçado, uma vez que se sentia que havia que reforçar o meio campo perante a maior qualidade dos adversários. Assim, libertava-se Sérgio Oliveira para jogar aberto na esquerda mas com instruções de fazer movimentos interiores e em momento defensivo, juntar-se ao trio do meio campo, deixando Alex mais aberto na outra ala, e um N. Oliveira com instruções para segurar os defesas mas com muitos movimentos da faixa para o meio.
 
Este 4-3-3 aposta num ataque mais criativo e móvel, com jogadores como Bruma, Ricardo e a descoberta Aladje.
 
O que esta geração sobra em talento, perde contudo em capacidade colectiva e organização. Nota-se a falta de maior rigor e concentração defensiva, bem assim, como a ausência de alguma capacidade de trabalho no momento da recuperação da bola.
 
Acima de tudo, o meio campo apresenta características totalmente diferentes. Enquanto a Geração Coragem tinha dois médios com uma enorme capacidade de pressionar o adversário e de recuperação e desarme com Danilo e Pelé. Esta geração tem um trio de meio campo, com mais criatividade, melhor capacidade de passe, mas com jogadores pouco intensos, que jogam quase de pantufas a meio campo e apresentam dificuldades na hora de ter que recuperar bolas, e serem fortes no desarme.
 
Gostam de ter a bola no pé, mas sofrem quando têm que sair a pressionar e ganhar os duelos.
João Mário é o cérebro da equipa, tem uma enorme visão de jogo e qualidade de passe muito boa, mas não é um recuperador, não é um carregador de piano. André Gomes do Benfica , também ele que gosta de ter a bola no pé e organizar o jogo ofensivo mas que é algo lento e passivo no momento defensivo.
 
Para equilibrar o meio campo defensivamente, Edgar Borges, optou no jogo inaugural com a Nigéria por Ricardo Alves do Belenenses.
 
(cont)

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