quarta-feira, 8 de junho de 2011

O Tribunal Arbitral do Desporto

Foi conhecido na passada semana o Relatório e Projecto da COMISSÃO PARA A JUSTIÇA DESPORTIVA que, criada por despacho governamental conjunto do Ministério da Justiça (Secretaria de Estado da Justiça) e da Presidência do Conselho de Ministros (Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto) deveria “formular propostas para promover uma adequada conexão entre a Justiça e o Desporto através de diplomas legais no sentido de se alcançar uma justiça desportiva especializada, uniformizada e simultaneamente mais célere e segura". Há algum tempo que existem Tribunais Arbitrais dirigidos a conflitos de Consumo, na Administração Fiscal, no Sector Imobiliário, no ramo Automóvel, etc. No Desporto ainda não. No ano passado o COP (Comité Olímpico de Portugal) apresentou um projecto que, por insuficiente, nunca passou da gaveta. Ou seja, volta à justiça desportiva a velha história da criação dum TAD (Tribunal Arbitral de Desporto), defendida por alguns.

Um ponto de ordem: Não sou jurista (“passei” pelo Direito apenas durante 2 anos, integrado no Curso de Contabilidade) e, não tendo competência técnica para comentar o articulado destes documentos, vou tentar interpretá-los como um leitor comum, interessado nestas coisas do Desporto e da Justiça, ou vice-versa. Se os meus colegas do Mística, alguns dos quais juristas, me quiserem “desancar”, estão à vontade.

A primeira dúvida que me surgiu foi o de perceber o motivo porque, tendo o Futebol que é o caso que nos interessa, uma legislação interna própria, através dos Regulamentos da Liga e FPF, Comissões de Disciplina, Conselhos de Justiça, e Plenários, se torna necessário constituir um Tribunal unicamente voltado para a modalidade quando, os eventuais litigantes tinham (tem) a possibilidade de “subir” aos Tribunais da Relação, Administrativos, Constitucional, e até recorrer a organismos de cúpula da modalidade como nos recentes casos bem nossos conhecidos, da UEFA, da FIFA e do TAS. Por outro lado, estando o nosso País obrigado a respeitar a legislação Europeia sobre a matéria, por força da nossa subordinação à UEFA e à FIFA, organismos que tutelam os nossos Regulamentos, não vejo que os nossos juristas se atrevam a modificar leis existentes, tanto mais que, qualquer legislação a ser aprovada, só pode ser no local próprio, na Assembleia da Republica.

Se, em abstracto, a ideia era óptima (mais celeridade na condução dos processos), as dificuldades “de conceito” que vieram a ser apontadas pela própria Comissão (no fundo mais uma intromissão do Estado numa actividade que devia ser privada, pese embora, a natureza de “poderes públicos” do futebol), parecem-me tornar redundante a existência de mais uma estrutura intermédia para a resolução de conflitos desportivos.

Independentemente dos juízos de valor acerca da “bondade” do Projecto de Diploma, a Comissão nomeada por despacho de 20 de Setembro 2010, constituída por 8 personalidades da área jurídica, com incontornável valia técnica, foi dividida em 3 subcomissões, e reza no seu Projecto:

Artigo 3º ponto 1 “O TAD é uma entidade jurisdicional independente dos órgãos da administração pública do desporto e dos organismos que integram o sistema desportivo, dispondo de autonomia administrativa e financeira. E no ponto 3: “sem prejuízo, do disposto no nº 1, incumbe ao departamento governamental responsável pela área do desporto promover a instalação e o funcionamento do Tribunal.

Por força do artigo 20º da Constituição (a garantia do acesso ao direito e à justiça), e do artigo 268º (regulamentação, direcção e disciplina que cabem às federações desportivas) entendeu, e bem, a Comissão que “tal garantia pode ser satisfeita pelo recurso a uma “jurisdição arbitral” (artigo 209º nº 2) que ao longo de todo o articulado lhe vai servir de álibi para a criação do dito cujo Tribunal.

NOTA - No Relatório está erradamente indicado o artigo 206º que apenas trata da presença de audiências públicas nos tribunais. A ligação correcta que releva do texto Constitucional é a que coloquei acima, o artigo 209º nº 2 - “Podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz”.

A Comissão, admite que na eventualidade de alguém reclamar a “invalidade” processual das decisões, a mesma possa ser sancionada por um tribunal estadual, conforme se prevê no nº 2 do artigo 11º do Projecto. Mesmo assim, confere-se à instância arbitral “uma competência “exclusiva” e à sua intervenção um carácter “necessário” (as quais afastam, designadamente, a possibilidade de recurso aos tribunais administrativos), em ordem a instituir um sistema “uniformizado” e “especializado” de justiça desportiva”. No fundo o que teremos é “uma instância jurisdicional como que “híbrida”, buscando servir, a um tempo, dois objectivos: o de perfilar-se como uma última instância jurisdicional radicada na ordem desportiva e o de, simultaneamente, oferecer aos interessados a garantia de uma decisão jurisdicional com “valor” semelhante ao das decisões dos tribunaisadministrativos estaduais.”

Comentário – Os autores do projecto, dizem no Relatório que, “o mesmo objectivo se lograria atingir ao enveredar-se pela pura e simples criação, no quadro da organização judiciária administrativa existente, de um tribunal especializado em matéria desportiva”. Bastava, continuar a utilizar os Tribunais existentes. Nos Tribunais Arbitrais não é assim! Os “juízes” são “árbitros”, não aqueles de apito na boca mas “personalidades designadas e representativas dos vários sectores da actividade jurídica” constituindo um órgão designado por Conselho de Arbitragem Desportiva.

Quem são? No seu Capítulo III, Organização e Composição reza o Artigo 12º

1. “O Conselho de Arbitragem Desportiva é constituído por 10 membros, 9 dos quais assim designados: a) Dois, pelo Governo, mediante despacho conjunto do Ministro da Justiça e do membro do Governo responsável pela área do desporto, de entre professores das Faculdades de Direito, sob indicação destas; b) Três, pelo Conselho Superior da Magistratura, pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e pelo Conselho Superior do Ministério Público, um por cada um, de entre actuais ou antigos magistrados dos respectivos tribunais supremos ou procuradores-gerais da República adjuntos; c) Dois, pela Ordem dos Advogados, de entre advogados com mais de vinte anos de exercício profissional; d) Um, pelo Comité Olímpico de Portugal, e um, pelo Conselho Nacional do Desporto, devendo a designação recair em juristas de reconhecido mérito e idoneidade, com experiência na área do desporto”.

2. “Integra ainda o Conselho de Arbitragem Desportiva o Presidente do Tribunal Arbitral do Desporto.

3. “Os membros do Conselho elegem, de entre si, o Presidente e o Vice-Presidente.”

“Não caberá às partes, em cada caso, a designação de nenhum dos árbitros.” O carácter “arbitral” da instância residirá, pois, na circunstância dos juízes que vão decidir o litígio não saírem dos corpos de magistrados daquelas ordens, mas antes de uma lista de personalidades escolhidas a partir, em primeira linha, da indigitação feita por entidades representativas das partes, e condicionada por essa indigitação.”

Quanto às Competências (Artigo 15º Nº 2) “O TAD é integrado, no mínimo por 40 árbitros, constantes de uma lista estabelecida nos termos do artigo seguinte”:

2. Podem integrar a lista de árbitros prevista no número anterior, juristas de reconhecida idoneidade e mérito, com menos de 15 anos de comprovada experiência profissional, no exercício da magistratura, da docência, do ensino superior, da advocacia ou de outra actividade jurídica, de natureza pública ou privada”.

Comentário – “Personalidades escolhidas”. A minha grande questão é: Será que um Tribunal Arbitral que me parece mais voltado para a conciliação, onde as partes são quem decide, nos oferece maior confiança, digamos, técnica, na apreciação dos factos e na prossecução duma verdadeira Justiça, do que um Tribunal “normal” onde os Juízes não têm interesse directo na matéria a discutir, mais independentes portanto?

Como duvido da apregoada “celeridade”, a menos que os prazos constantes dos Regulamentos federativos donde provém os conflitos sejam diminuídos, a única medida verdadeiramente positiva parece-me ser a da anulação dos nºs 2 a 5 do 57º da lei nº 27/2009 que entre outras bizarrias, permitia à ADOP avocar os processos em casos de dopagem e aplicar as sanções disciplinares, sem passarem pela justiça federativa. Não resulta bem claro, por omissão a esse respeito, a possibilidade de recurso para o TAS em Lausanne, mesmo existindo uma Convenção Internacional Contra a Dopagem no Desporto (o famoso decreto nº4-A/2007) que temos, por força da inserção de praticantes desportivos internacionais, que adoptar.

Para melhor entendimento, elaborei um pequeno organigrama com os vários capítulos do Projecto.

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Para os mais curiosos, aqui fica o link para a leitura completa do Relatório e Projecto que recolhi, com a devida vénia, do site de JSAdvogados.

Até para a semana

2 comentários:

Pedro Silva disse...

Caro Lima, ou muito me engano ou este "Estudo" que foi encomendado pelo Estado Português é uma consequência da tal Petição da "Verdade Desportiva".

Que se enganem os que pensam que vai sair daí alguma coisa...

Como o meu caro amigo demonstrou, e muito bem, a criação de tal Tribunal vai implicar uma profunda remodelação da Constituição do nosso País e neste momento o Passos e o resto da corja andam mais preocupados em como mudar o nosso Texto fundamental para lixar ainda mais o Zé Povinho.

E a forma como propõem nomear o membros deste Tribunal faz lembrar a maneira “subtil” como são feitas as nomeações para o CD da Liga e CJ da FPF... E querem estes gajos transparência no Futebol.

Em resumo, este tal estudo é mais um que serviu para encher os bolsos de Catedráticos como o Freitas do Amaral e quejandos.

Pura perda de tempo e total desperdício do agora tão precioso erário público...

Grande abraço.

JOSE LIMA disse...

Sem tirar nem pôr... amigo.
Lá vamos ter que continuar a ganhar "lá em baixo", nas 4 linhas.
Abraço