segunda-feira, 27 de junho de 2011

Recordando um Amigo

O acontecimento da abrupta rescisão de André Villas-Boas trouxe-me à memória, um episódio semelhante ocorrido no já longínquo ano de 1959. O Dr. Paulo Pombo, nosso Presidente nesse ano, tinha contratado o húngaro Bella Guttmann que viria a dar uma imensa alegria aos Portistas com a conquista do campeonato de 1958/59, um título que só se viria a concretizar na última jornada, no campeonato que ficaria conhecido como o ano Calabote. A história é conhecida mas, para os mais novos, vou recordá-la.

Na última jornada estávamos empatados em pontos com o Benfica e só através da diferença de golos poderíamos ser campeões. Jogávamos com o Torriense no velhinho Campo das Covas, em Torres Vedras e, o Benfica na Luz com a CUF. O senhor Inocêncio Calabote, árbitro do encontro, que já tinha iniciado o jogo com um atraso significativo, concedeu na 2ª parte, ainda mais descontos e parecia que o jogo nunca mais acabava. No final da nossa partida, dirigentes, jogadores e público, fomos para o meio do “pelado”, ouvir pela rádio quando terminava o jogo da Luz. Ao fim de 8 longos minutos, o senhor lá se resolveu a terminar o encontro e fomos, finalmente, consagrados campeões. Na preparação do jogo ainda houve outros “episódios” rocambolescos, tais como, a equipa do Torriense ter sido treinada durante a semana por Valdivieso treinador adjunto do Benfica (o principal era Otto glória), que se deslocou de Lisboa para ensinar a táctica ao Torriense; terem sido marcadas três grandes penalidades, uma das quais não existente; expulsos 3 jogadores da CUF; e, facto completamente inédito, os próprios jogadores da CUF terem solicitado para o banco, a substituição do seu guarda-redes Gama que deixava entrar as bolas de qualquer maneira. Assim uma espécie de Roberto, só que “este” fazia de propósito.

Formado em Ciências Matemáticas pela Universidade do Porto, engenheiro civil e engenheiro geógrafo, Paulo Pombo, além de vereador da Câmara Municipal do Porto, foi presidente do nosso FCP, da Associação dos Jornalistas de Homens e Letras do Porto, director do jornal O Primeiro de Janeiro, e um dos fundadores do Orfeão e da Tuna Universitária do Porto. Ainda hoje é bem conhecido dos universitários o tango Amores de Estudante. A minha relação com ele, deriva do facto de ter sido colega do filho Renato Pombo (já falecido) e compartilhar toda aquela vivência no nosso Clube. Os meus amigos já vão ver qual a semelhança com a deserção de Villas-Boas.

Recordo com muita saudade, o dia em que, depois da cerimónia de imposições das faixas fui com o filho, como sempre que havia jogos no antigo Estádio das Antas, lanchar a casa do presidente. Logo que entrámos, a esposa D. Emília Dunkell (irmã do Cônsul na Suíça no Porto, à época) diz-nos em voz baixa: “Há problemas. Está cá o Guttmann”!

Passados poucos minutos, ouvimos fechar a porta da rua (tinha um daqueles pendentes chineses com uns tubos que chocalham). O presidente vem à sala onde estávamos e diz com o ar de quem anuncia um desastre: O “avozinho” (era assim que carinhosamente era tratado) vai para o Benfica! Diz que aqui (no Porto) é muito húmido e a mulher não suporta o clima! Passada a estupefacção natural, tudo se explicou: É que, já naquela altura, a “instituição” fazia as coisas pelo outro lado. Precisava de alguém (atleta ou treinador)? Ia buscá-lo na véspera do jogo ou da competição se iniciar. Nem existiam cláusulas de rescisão nem nada parecido. Naquela vez veio “roubar-nos” o treinador. Para aqueles que como eu, viveram esses tempos, aproveito para recordar os atletas que nos deram um título, coisa rara à época.

A Paulo Pombo a cidade ficou a dever a mais completa antologia sobre o S. João do Porto que se publicou em 1971, e em que se reúnem textos sobre as festas são-joaninas, desde a Idade Média até aos nossos dias. Nós ficámos a dever-lhe “aquele” campeonato.

Até para a semana

7 comentários:

duarte disse...

Gostei de ler este Post. obrigado por contar um pedaço da nossa Historia.

Anónimo disse...

É sempre bom e bonito ouvir pedaços da nossa grandiosa história e ouvir também a história do clube do regime e a forma de como já funcionavam as coisas naquela altura. Foi durante essas inúmeras batalhas que o Porto se foi fortalecendo e enquanto uns eram ajudados pela força da corrente, o Porto sempre nadou contra ela, tornando-se grande conhecedor da sua força. Será que quando a corrente mudar os "outros" vão aguentar?
Caro José Lima é sempre um prazer ler as suas crónicas. Portistas, nada temam que o nosso novo treinador também foi campeão ás escuras, também deu 5 aos outros, esteve na reviravolta da taça e venceu a liga Europa, ele esteve lá!!
Cumprimentos, António Fonseca

Anónimo disse...

o Dr. Paulo Pombo foi também Director do jornal O Porto, no qual, a meio da década dos anos 70, criou uma página literária, alargada a outros aspectos culturais, o que foi inédito a nível do jornal do clube (para não falar na actual revista).

Pedro Silva disse...

Lima, de todos os seus trabalhos, este foi o que mais gostei.

Espero que no futuro possa partilhar mais histórias destas com os leitores do Mística.

@ António Fonseca

"Portistas, nada temam que o nosso novo treinador também foi campeão ás escuras, também deu 5 aos outros, esteve na reviravolta da taça e venceu a liga Europa, ele esteve lá!!"

Eu já ando a passar esta mensagem há muito tempo. A Blogosfera Portista, e não só, é que parece ter estagnado nos insultos ao AVB.

Cumprimentos a todos.

JOSE LIMA disse...

Armando Pinto
Obrigado pela sua achega. De facto, esqueci referir o jornal O PORTO, logo eu que fiz umas dezenas de fotos pare ele. É mais uma das minhas memórias. Na altura eu era "fotógrafo amador" e o Paulo Pombo tinha-me arranjado um cartão de FOTOGRAFO daqueles que nos permitem entrar pela porta dos "artistas".
Há uma foto que não sei onde pára (tenho centenas de negativos por arquivar) do Eusébio com o Cubillas no centro do relvado. Essa foto anda aí pelos blogues, mas fui eu que a tirei.
Outro episódio, esse tristíssimo foi o da morte do Pavão a que eu assisti e filmei a cerca de 15 metros. Eu estava na antiga pista de cinza, mais ou menos junto à linha de meio campo. É o único documento que existe e foi entregue há pouco tempo ao Senhor Pinto da Costa para ficar no Museu do Clube. Os reporters da RTP estavam para uma reportagem fora do Porto, houve uma complicação qualquer de trânsito e, quando eles chegaram, o nosso atleta já tinha sido transportado para o Hospital. Passado cerca de 1 mês fizemos uma projecção no Pavilhão Américo Sá para todo o plantel, Direcção e Família do Atleta. É uma história que qualquer dia vou contar.
Aproveito a oportunidade para lhe dar os parabéns pelo seu excelente blog:
http://longara.blogspot.com/
Quanto a Felgueiras, tinha aí um grande amigo, o Dr. Eduardo Gama, em casa de quem passei excelentes férias. Não me recordo do nome da rua mas é aquela que sobe para o Sameirinho.
Um grande abraço

JOSE LIMA disse...

Caro The Blue One
Obrigado pelas suas palavras.
Se bem se recorda, quando me convidou para escrever no Mística, deu-me inteira liberdade para gerir o espaço como quisesse.
Tenho procurado variar de temas e estilos, sempre relacionados com o nosso Clube. Só não escrevo sobre as "tácticas e as técnicas" porque para isso, temos excelentes comentadores.
Um abraço

Unknown disse...

Recordar o Senhor Dr. Paulo Pombo é falar de um ilustre professor de quem fui aluno no ano de 1977/78 no ISEP.
Dele recebi grandes ensinamentos no campo da matemática. Homem culto de uma postura irrepreensível, notável homem da ciência e da cultura,cidadão da cidade do Porto.

Bem haja Senhor Professor!!!

Moreira Guedes, eng.º