Primavera de 2001. A cidade do Porto era então Capital Europeia da Cultura e Rui Rio ainda não sonhava ser presidente da Câmara. A crise ainda era palavra vã; o país excitava-se com o início da construção dos estádios que daí a 3 anos seriam palco dos jogos entre as melhores selecções da Europa.
Nesse ano já longínquo aconteceu algo raro no futebol português, também com o seu epicentro no Porto. Uma equipa que não um grande sagrava-se campeã: o Boavista FC. Na altura o país futebolístico espantou-se. Com um trabalho de fundo, que durou anos, o projecto “Boavistão” da família Loureiro e de Jaime Pacheco deu frutos e teve a sua coroa de glória naquele jogo em que um estádio do Bessa engalanado assistiu à vitória dos axadrezados frente ao Aves.
Na altura o feito achou-se incrível e talvez apenas repetível num longínquo futuro – tal como durante mais de meio século fora irrepetível o título dos Belenenses. Até esta época a história começar a piscar um olho ao destino e este mostrar que afinal isso poderia não ser bem assim. Nesta época que agora se aproxima do seu termo, e nas anteriores, numa espécie de anel de retorno futebolístico, parece repetir-se o feito do Boavista, podendo-se encontrar notáveis coincidências.
Época 98/99. O Boavista de Jaime Pacheco está até à 33ª jornada a “perseguir” o FC Porto que se sagraria Pentacampeão. Acaba em segundo lugar, com 71 pontos, e tem abertas as portas da sua primeira participação na Champions, depois de várias épocas seguidas a participar na Taça UEFA. Época 2009/10. Acontece quase a mesma coisa com o Sporting de Braga. É vice-campeão “perseguindo” quase até ao fim o Benfica e também vai à Champions.
Época 99/2000. O Boavista tem a sua primeira participação na prova maior de clubes da Europa. Não passa da fase de grupos, mas fica a sensação que não o conseguiu devido em parte a alguma ingenuidade de quem é estreante no grande torneio. No campeonato, ganho pelo Sporting ao fim de dezoito anos de seca, o Boavista mantem-se nos primeiros quatro lugares. Época 2010/11. Braga participa também na Champions e é devido a inexperiência, principalmente nos jogos com o Shakhtar Donetsk, que também não passa à fase seguinte. É relegado para a Liga Europa, novo nome da Taça UEFA, onde chegará à final. No campeonato também fica em quarto lugar, devido a derrota com Sporting na última jornada.
Época 2000/2001. Boavista campeão. O que impressiona nessa época é a regularidade dos axadrezados, que raramente tropeçam. O FC Porto, que fica em segundo lugar, é vítima de si próprio com vários “tropeções” ao longo da época, alguns perfeitamente confrangedores. Época actual. Braga está na frente do campeonato à 25ª jornada, depois de uma regularidade de treze vitórias seguidas. Porto e Benfica, desde cedo naturais candidatos ao título, só de si próprios se podem queixar.
De facto, parece-nos haver nestas épocas citadas surpreendentes paralelismos. Era como se o tempo dissesse que tudo pode voltar a acontecer, mesmo que seja com diferentes protagonistas; que um jamais ou um impossível não são absolutos no mundo do futebol. E que um Acontecimento vem sempre como que uma segunda vez, mesmo que antes nada o fizesse prever. Ele está agora aí. Até o FC Porto prova isso com as suas várias conquistas internacionais, quase todas elas “impossíveis” antes de se materializarem. Quem diria na época 2001/2002 que dois anos depois o melhor Porto de todos os tempos arrasaria a Europa?
Mas a nossa teoria é, como todas as coisas que sejam teorias, ainda não comprovável. De facto, apresentamos até agora indícios, e disso não passamos. As próximas duas jornadas serão decisivos para aquilo que escrevemos se concretizar. O Sporting Clube de Braga jogará com os dois clubes em que se apostava quase tudo nesta corrida de trinta jornadas. No sábado na Luz, e em seguida recebe o Porto na Pedreira. Ganhando aos dois, ou ganhando o primeiro jogo e empatando o segundo, estamos quase convencidos que o Campeão Nacional 2012 está encontrado. E com mérito próprio, não precisando de agradecer nenhum milagre à Nossa Senhora do Sameiro.
Assim, à sua escala, o Braga está a ter as suas épocas de ouro. Com o refugo dos grandes a equipa da cidade dos arcebispos trilha um caminho ambicioso, com um futebol directo e eficaz. Alan, vindo do Porto onde não se afirmou; Hugo Viana, renascido, vindo do Valencia depois de não ter conseguido ficar no Sporting que o formara; Custódio, que depois de passar pelo Sporting andou pela Rússia meio perdido acabou por no ano passado marcar o golo que deu ao Braga a sua final europeia; Quim, despedido em entrevista por Jorge Jesus, que ainda se revela um grande guarda-redes. Entre outros exemplos actuais e do passado. Uma equipa, repetimos, sem medo dos adversários, e feita com o que os outros não quiseram. Além de tudo isto, foi visível na última partida, frente à Académica, que o Braga está com a estrela de campeão. Bolas falhadas pela Briosa, ressaltos ganhos. Sorte, pode-se dizer. Mas que campeão até agora não se fez com um pouco de sorte?
Passando o Benfica e Porto quase não temos dúvidas que o novo campeão estará encontrado. Agora, o mérito do Braga também se deve a demérito dos adversários. E este Porto de Vítor Pereira parece não querer ser campeão. O principal candidato ao título, actual campeão, joga mal e sem atitude, deixando os adeptos descontentes. De facto, mesmo se sabendo que a massa adepta do Porto é muito exigente e por vezes mal-dissente, não nos recordamos de uma tão grande unanimidade na revolta que grassa pelas gentes azuis-e-brancas. Só talvez assim o tenha sido na época de Octávio Machado. E mesmo nessa o treinador não ficou até ao fim e a partir de uma certa altura, com tudo perdido e já com Mourinho, estava-se mais na expectativa da época vindoura do que na indignação pelos maus momentos da equipa. Se o Porto não ganhar esta época o campeonato e o título de Campeão Nacional subir ao Bom Jesus este estará bem entregue. E talvez sirva de exemplo para o futuro. Veremos no sábado se a história se repete ou não.
4 comentários:
Parabéns pelo texto,@Duarte. Está muito bem feito o paralelismo entre a época do Braga e a do Boavista.
Tenho que discordar apenas em dois ou 3 pontos.
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1º O Boavista foi um fenómeno passageiro.Um clube que viveu acima das possibilidades e que depois pagou essa factura. O Boavista ao contrário do que se apregoava na altura, não tinha uma boa gestão e deixou-se levar por algumas épocas de sucesso.Não foi um projecto sustentado como este do Braga.
2º O Boavista tinha mais poder nos centros de decisão do futebol português,nomeadamente na Liga,e isso acabou por ser também importante para o seu sucesso. O Braga compete com Benfica e Porto sem ter esse poder ou essa influência.
3º O Boavista jogava um futebol de pior qualidade que o Braga.O Boavista era uma equipa muito física,sem grande primor técnico, que por vezes abusava das faltas e do anti jogo. Não era um futebol atractivo.
O Braga,pelo contrário, tem tido uma regularidade e uma qualidade de jogo impressionantes.
O Boavista era uma equipa de operários,o Braga tem artistas como Alan,Helder Barbosa,Lima e principalmente Hugo Viana.
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O Braga não passou a fase de grupos da champions por mero azar.Os pontos que o Braga logrou na fase de grupos costumam ser o suficiente para as equipas passarem para a fase seguinte.Nesse ano não foi,o grupo do Braga era muito equilibrado.
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O Braga desde que chegou António Salvador tem sido um exemplo de gestão.Não entra em loucuras como o Boavista entrou. O Braga continua a ser um clube vendedor,sabe aproveitar como explicitas bem,jogadores que os grandes ou dispensam ou deixam escapar.Caso recente foi o de Lima.O Porto optou por Kleber e até Janko,enquanto que o Braga viu que o talento para o centro do ataque morava no próprio campeonato.
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O Braga cresceu enquanto clube,enquanto marca e conseguiu um feito notável.Uma cidade que historicamente não se ligava muito ao clube e que até torcia mais pelo Benfica,hoje em dia tem muitos adeptos que são apenas adeptos do Braga.
Há não muitos anos atrás o Benfica jogava em casa em Braga,hoje em dia, Braga mesmo sendo uma cidade que historicamente sempre teve muitos benfiquistas, hoje em dia é dos poucos locais onde o Benfica não joga em casa.
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Se o Braga fosse campeão seria inteiramente merecido não apenas por esta época mas por todo o percurso que o Braga tem tido nos últimos anos. Tem uma estrutura,coisa difícil de se conseguir,principalmente com os meios que o Braga tem.
O facto é que saem jogadores,treinadores mas a estrutura garante que o Braga se mantenha sempre competitivo.
Uma lição para clubes mais endinheirados mas desorganizados e que sempre procuram desculpas ou na arbitragem ou na comparação de orçamentos.
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Um abraço e parabéns pelo texto.
Caro Ricardo Costa, obrigado pelos parabéns. Deixa-me apenas complementar os teus comentários em alguns pontos.
1 - Discordo que o Boavista tenha sido um fenómeno passageiro. Pelo contrário, em termos de títulos eles foram, e são, de facto o quarto grande. Recordo-me de os ver ganhar Taças de Portugal nos anos 90, de fazerem frente ao benfica e porto e até de boas prestações na extinta Taça Uefa. Que tiveram gestão danosa, principalmente na troca entre pai e filho Loureiro na Direcção, isso estamos de acordo. Agora dizer que foi fenómeno passageiro não posso concordar. Até porque na época seguinte ao título chegaram às meias-finais europeias, e só não chegaram terceira vez à Champions por azar e nabice. Não se tivessem metido na aventura do Estádio e talvez ainda nos fizessem companhia e competissem com os grandes.
2 - De acordo que o Boavista tinha influência nos centros de gestão. Mas isso não invalida que tenha ganho o campeonato com demérito. Até porque me recordo do maus jogos do Porto nessa época e do Benfica e Sporting também.
3 - Completamente de acordo com o tipo de jogo do "Boavistão". Mas a função deste texto era traçar um paralelismo entre as épocas que agora acontecem e as de há mais de dez anos atrás. O futebol do Braga e dos homens da Pantera é incomparável. Estes últimos até davam dó de ver. E tanta era a pancada. Mas realço, e volto ao ponto 1, que impôs respeito em Portugal e na Europa. Ainda hoje estou para perceber como empatou em Liverpool ao detentor na altura da Taça Uefa.
4 E por último. Concordo que o Braga tem sido um modelo de gestão. Mas a verdade é que se conquistarem o título, e a minha opinião sobre isto está dada no texto, terão um momento de viragem. Vão à Champions: apostarão mais forte na equipa para tentar chegar aos oitavos? E com que fundos? E com que jogadores? Apostam em revalidar o título? Será preciso muito cuidado, se quiserem continuar no topo. E aí se verá se o merecem ou não.
Um grande abraço!
E esqueci-me de outro ponto muito importante. O Boavista era o 2º clube do Porto,tal como o Belenenses quando foi campeão era o 3º clube de Lisboa.
Os campeões sempre saíram das duas grandes cidades. Se o Braga for campeão será o triunfo de uma região.Do Minho.
Será a 1ª vez que um clube é campeão sem ter que ser de Porto ou Lisboa.
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Discordo quanto ao Boavista ser um grande durante assim tanto tempo. Foi um fenómeno que não durou mais de 3 épocas. As taças dos anos 90 não faziam do Boavista um grande, faziam do Boavista o clube que lutava com Guimarães pelo estatuto de 4º grande.
O Braga está parece-me que num patamar acima. O Braga não é para mim o 4º grande,é neste momento em termos de estrutura e qualidade o 3º grande e não de forma tão distante para Porto e Benfica como o Sporting tem sido.
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Não acho que se o Braga for campeão a linha que tem orientado a estratégia do clube vai mudar.O Boavista viveu muito do momento,aproveito as influências que tinha também,mas era um clube sem condições para viver no patamar em que se encontrava.
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Não foi um crescimento sustentado e abrangente como tem sido o do Braga. O Braga antes de começar a ganhar começou a apostar numa estrutura forte,reforçara o departamento de comunicação e fizeram um markting agressivo por forma a conseguir chamar novos sócios. O clube foi crescendo e os resultados aparecendo.
O Braga tem exactamente essa vantagem. Não vive acima das suas possibilidade e a polítca é a mesma quer ganha quer perca.
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Prova disso é que mesmo em ano de champions em que poderia investir mais não deixou de vender activos e de ver sair o treinador e de ter que reformular uma vez mais o onze inicial e sem gastar muito dinheiro.
O Braga acima de tudo aproveita bem o talento no campeonato português que os grandes deixam escapar,valoriza-o e depois vende.
O Braga vai tendo também já uma boa formação,prova disso foi a mais valia na venda de Pizzi ou de Bruno Gama por exemplo.
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Mesmo este ano com as receitas acumuladas da champions o Braga não deixou de vender caro e contratar praticamente a custo 0.
Acho que o Braga veio para ficar,caso não se desmanche esta estrutura e não me parece que isso vá acontecer.
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O Boavista tinha já muitas dívidas,o Braga nesse aspecto também dá cartas.Não deve nada a ninguém e consegue aliar sustentabilidade financeira a sucesso desportivo.
abraço.
@ Duarte
Não me vou alongar muito porque partilho de algumas das opiniões do Ricardo Costa.
Na minha opinião em termos de equipa não existe nenhuma comparação possível entre o SC e o Boavista FC.
O Boavista, para além de ter a mania de ser anti Porto, foi sempre caracterizado por ser uma equipa que praticava um Futebol terrivelmente belicoso. Ir ver um jogo ao Bessa era o mesmo que ver Wrestling ao vivo.
O Braga é o oposto. Tem um futebol que agrada á vista e sabe como estar entre nós sem se afirmar como anti este ou aquele.
E nem vou comparar a gestão dos Loureiros com a do Salvador. Os Loureiros sempre foram o cancro do Boavista e não só. Não admira que agora tenham sido "atacados" pelo anonimato.
Mas tirando isto a actual temporada parece estar a ser paralela com muitas coisas que sucederam no passado... Para além da forte possibilidade de termos um Campeão que não é um dos 3 grandes, também temos o Sporting CP quase nas meias-finais da Liga Europa, fazendo assim algo de muito parecido á época seguinte em que o FC Porto se sagrou Campeão Europeu com o Mestre Mourinho.
Aquele abraço.
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