Mais um título. Já chega a ser algo tão corriqueiro que mesmo os jornais desportivos não dispensaram mais de 2 ou 3 páginas sobre o bicampeão nacional. Nada de novo. A atenção dos média passou logo para Vítor Pereira numa tentativa de não se falar do título e de quase tentar condicionar Pinto da Costa na escolha do futuro do clube. Tirando outros ressabiados (Rui Santos à cabeça) que continuam a tentar encontrar desculpas nas arbitragens e na falta de competitividade da mesma Liga que era espetacular quando o Benfica liderava…
Este título mais do que nunca foi sentido pela grande maioria dos portistas como o triunfo de um presidente. Parecia escrito nas estrelas (citando Luís Filipe Vieira). Nem de propósito, no ano em que se comemoram 30 anos na presidência de Jorge Nuno Pinto da Costa, o F. C. Porto ganha um título em que o presidente deu o exemplo do porquê deste clube ter tantas e tantas vitórias. Deu um exemplo do que tem sido a sua liderança e da sua capacidade de ver mais além dos demais.
Os portistas são adeptos exigentes por natureza. Por vezes tanta exigência os leva a serem algo irracionais e até injustos. Mas por outro lado não sei se isto será defeito ou feitio. E se não será esse feitio e essa constante pressão pela excelência que nos faz estar noutro patamar de competitividade. Não deixa de ser curioso e talvez único até, que o Porto seja campeão e nos festejos o seu treinador seja assobiado e nas entrevistas de rua quase todos defendam que o treinador campeão deve sair.
Enquanto isso, no Benfica, Jorge Jesus mesmo com apenas um título em 3 anos, vemos apenas, pequenas manifestações de insatisfação mas a grande maioria até admite que ele deve continuar… No F. C. Porto, Jesualdo Ferreira valorizou activos, cumpriu os mínimos nas competições europeias, era campeão, e ainda assim não criava empatia com a maioria dos adeptos e chegava ao final de cada época sem saber se continuaria.
Mas uma coisa são os adeptos, outra é quem dirige. E nesse aspecto Pinto da Costa dá lições a todos os demais presidentes. Enquanto Luis Filipe Vieira desaparece nos momentos difíceis e enquanto Godinho Lopes despede um treinador à mínima pressão dos maus resultados, Pinto da Costa não tem medo de ir contra a opinião de tudo e todos e quando os treinadores mais contestados são é quando o presidente mais aparece em sua defesa.
Vítor Pereira demonstrou ter falta de estofo para um clube como o F. C. Porto. Teve uma série de falhas em termos tácticos e nas sua forma de ler o jogo. O Porto não conseguiu ser competitivo na Europa e deixou a desejar em termos exibicionais. Eu próprio fui apologista que a mudar, Pinto da Costa teria uma boa oportunidade na pausa de Inverno. No entanto, com o tempo, como invariavelmente acontece na grande maioria das vezes, acabei por ter que dar razão a Pinto da Costa na forma como manteve Vítor Pereira mesmo quando via que os resultados não eram os mais desejados. Pinto da Costa deu a estabilidade a Vítor Pereira de que este não estaria refém dos resultados e que teria todas as condições para liderar a equipa até ao fim. Para isso Pinto da Costa desceu ao balneário e reforçou a liderança do técnico deixando bem claro para jogadores e adeptos que gostassem ou não era com Vítor Pereira que teriam que contar até ao fim da época.
O tempo foi-lhe dando razão à medida que nos fomos apercebendo que Vítor Pereira não era o maior problema. Principalmente quando se tornou percetível que para além dos seus erros próprios e falta de carisma, havia, acima de tudo, uma enorme falta de empenho dos jogadores e preparava-se uma ditadura dos jogadores à semelhança do que se passa com o Chelsea.
Isso, Pinto da Costa não poderia permitir. E ao contrário de outros que entre a liderança técnica e os jogadores, iriam optar pelo caminho mais fácil e dispensariam o treinador… Pinto da Costa responde deixando bem claro a regra que sempre reafirmou no F. C. Porto: Jogador é para jogar, treinador para treinar e o presidente para dirigir. Invertendo-se esta estrutura e toda a base do sucesso rui como um baralho de cartas. Era importante, mais do que nunca, dar o sinal para dentro de que no F. C. Porto ninguém está acima da instituição nem um plantel pode tomar decisões por cima dos interesses do clube e da vontade do seu presidente.
Por isso aquilo que parecia visto de fora como decisões estranhas, como as dispensas de Guarín ou Belluschi, foram-se tornando claras com o passar do tempo. Assim como a atitude de uma série de jogadores que parece que ficaram contrariados, casos de Alvaro Pereira ou Rolando. Por isto tudo, este ano mais do que outos, foi o ano em que o grande mérito desta conquista foi de Pinto da Costa. E sempre odeiei aquele tipo de adeptos que desvalorizavam o trabalho dos técnicos de uma forma quase cega, como se fosse Pinto da Costa que fizesse tudo quando claramente não era e em algumas épocas até tinha também errado nas suas escolhas. A questão é que nesta época, se as coisas corressem como noutros clubes, já Vítor Pereira teria sucumbido perante a pressão de um plantel contrariado e não sairia como campeão.
Pinto da Costa demonstrou também que, não obstante haver um problema que ia para além de Vítor Pereira, não estava a dormir relativamente às falhas na preparação da época. Alterações foram sendo feitas em silêncio, sem grande estrondo. Veja-se a forma como se restruturou a equipa técnica passando Filipe Almeida para adjunto mais próximo de Vítor Pereira e com a passagem de Rui Quinta para a bancada. Repare-se como foi incluído na equipa técnica Paulinho Santos, um jogador capaz de ser o adjunto do balneário, coisa que claramente Semedo não aparenta ser, e daí o seu desaparecimento das luzes da ribalta.
Por outro lado, e aí Pinto da Costa deu o toque de mestre… Foi a alteração operada no plantel. Com as saídas e a limpeza do balneário, Pinto da Costa dotou-o de um elemento capaz de liderar e de agarrar num grupo e liderá-lo. Falo obviamente da contratação de Lucho Gonzalez… Agora gostaria de ver o que têm a dizer aqueles que na altura afirmaram que o Porto nada tinha melhorado com Lucho… Pois não, passou de estar 5 pontos atrás, para estar 6 pontos à frente na Liga… Lucho acrescentou classe e ordem em campo, e liderança quer no campo, quer fora dele.
Por outro lado, embora com menor impacto, houve uma tentativa de corrigir o erro de atacar a época apenas com Kleber para ponta de lança. Para isso veio Janko. Não será a solução ideal, mas pelo menos serviu para ter outra solução. Um jogador que chegou sem sentir a pressão que Kleber teve que sentir.
Após tudo isto, e agora que Vítor Pereira foi campeão, deve isso significar obrigatoriamente a sua continuidade? Claro que não. Os mesmos que pediam a cabeça de Vítor Pereira na comunicação social, agora tendem a pressionar, uma vez mais, Pinto da Costa para ter a coragem de manter Vítor Pereira. Tal como na época de maior contestação, Pinto da Costa decidiu não apenas com base em coragem, mas acima de tudo com base em racionalidade e pensando no que seria melhor para o clube, agora Pinto da Costa fará o mesmo.
São contextos diferentes. Temos que dividir por partes. A primeira parte foi a escolha de Vítor Pereira. AVB tinha acabado de sair e não havia no mercado nenhum técnico de renome capaz de entrar no F. C. Porto com um plantel que se mantinha da época passada. A última vez que tal tinha acontecido os resultados foram péssimos. Falo da época após a conquista da Champions. Pinto da Costa não quis abalar mais a estrutura. O seu plano era atacar a Champions mantendo a equipa. AVB furou-lhe os planos e por consequência teve que deixar sair Falcao e abalou todo o plano para a época, o que fez com que outros jogadores sentissem que também teriam o direito de sair. De um projecto de ambição, passou-se para a incerteza. Por isso Pinto da Costa jogou pelo seguro. Apostou no adjunto de AVB, que já conhecia o plantel, já conhecia o trabalho feito por AVB visto de dentro e que poderia dar continuidade a esse trabalho. Acho que a lógica é inatacável, embora depois não se tenha concretizado.
No segundo momento tratou-se da altura em que se começaram a perceber as dificuldades de Vítor Pereira e em que muitos adeptos ( eu incluído) sentíamos que o Porto ainda poderia operar uma mudança no comando técnico e que isso poderia ser uma boa solução. Aí imperou a racionalidade de Pinto da Costa que dispunha obviamente de informações que nós não temos.
Ele fez o diagnóstico e o prognóstico. Sentiu que o maior problema não era Vítor Pereira, e que de nada valeria trocar de técnico a meio da época se o problema maior estava na atitude de alguns jogadores do plantel e da ideia criada que eles poderiam dispensar um treinador. Vítor Pereira poderia ter algumas culpas, mas nada poderia fazer para obrigar uma serie de jogadores aburguesados a correrem e a darem o litro pelo clube. Aí Pinto da Costa sentiu que seria pior a emenda que o soneto e que o ideal seria arranjar uma solução interna, passando por um acompanhamento mais próximo, por dar o peito às balas por Vítor Pereira e demonstrar ao grupo que teriam que respeitar o seu líder. Isto sem deixar de remendar alguns erros cometidos quer na composição da equipa técnica quer na composição do plantel.
Eis chegados ao terceiro momento. O do título. Agora que se conseguiu atingir esse objectivo é preciso pensar não apenas no momento. Da mesma maneira que Vítor Pereira não foi refém dos resultados para poder continuar, não será agora por este resultado que poderá tornar Pinto da Costa refém da obrigação de permitir a sua continuidade como técnico principal do F. C. Porto. Chegado ao final da época, Pinto da Costa já terá obviamente feito um rescaldo de tudo o que se passou de bom e de mau. Também já terá planeado a próxima época.
Não será a primeira vez que um treinador sairá do Porto após ser campeão. Tal passou-se com Ivic, Carlos Alberto Silva, António Oliveira e outros. Tudo porque Pinto da Costa vê para além do óbvio da bola que entra ou não. Fazia sentido a continuidade de Vítor Pereira no projecto para esta época, isso não quer dizer que faça sentido para a próxima época. Os motivos que levaram à escolha de Vítor Pereira já não se verificam. A ideia de um treinador de continuidade já não se aplica. O Porto na próxima época terá que recomeçar quase do 0. O plantel terá mexidas, perderá provavelmente Hulk, Alvaro Pereira e um ou outro elemento preponderante nestas últimas épocas, provavelmente Rolando. Será um novo plantel, com outras características, com sangue novo e com outras necessidades e objectivos.
Enquanto para uns a vitória no campeonato é o suficiente para se ter sucesso, no Porto isso não basta. O Porto tem que ter uma dimensão europeia que este ano não teve com Vítor Pereira. De nada vale ganhar a Liga se por outro lado se descurar o projecto europeu. O Porto não se pode dar a esse luxo. Tal como Co Adrianse saiu campeão mas após uma época que foi um fracasso na Champions. Pinto da Costa sentiu que com o holandês o Porto poderia muito bem dominar em Portugal, mas que com aquela táctica estranha de 3 defesas, dificilmente teria sucesso na Europa. Foi mais ambicioso que os demais. Se provavelmente oferecessem um técnico ao Benfica ou Sporting que assegurasse o domínio em Portugal embora com insucesso lá fora, ambos os clubes assinariam por baixo… Não o F. C. Porto. Por outro lado o Porto havia passado para uma liderança l”assez faire” para o 80 e parecia quase um estado polícia com Co Adrianse, com excessos de autoritarismo. Pinto da Costa aí também não se deixou levar pela dobradinha. Pensou mais além e aquilo que teria que ser o futuro do clube.
O mesmo se passará agora com Vítor Pereira. Não obstante o título, o F. C. Porto parte para outro ciclo, outro projecto e espera-se que o novo treinador comece também do 0, com um plantel com outras características. Não se pretende continuidade. Pelo contrário. Pretende-se choque e um começar do 0 com renovadas ambições. Vítor Pereira porventura não terá as características necessárias para liderar este novo projecto.
Por isso mesmo, por mais que agora tentem condicionar Pinto da Costa pela sua aposta em Vítor Pereira, ele terá o discernimento necessário para não olhar apenas para o óbvio. Como ele já o afirmou, a época já está a ser planeada há muito tempo e provavelmente nem dependia do título… Tal não significa que Vítor Pereira tenha que sair a mal. Pelo contrário, acho até que o próprio Vítor Pereira será o primeiro a entender a decisão de Pinto da Costa e até estar-lhe-á grato por sair do F. C. Porto com um título no currículo, quando se fosse noutros clubes teria a sua carreira queimada logo no início.
Por vezes as mais importantes mudanças não são aquelas operadas nas derrotas, são as que se encetam mesmo nas épocas em que se tem sucesso. Por isso uns adormecem com o sucesso, outros tentam sempre desafiar-se mesmo quando estão habituados a ganhar quase sempre.
1 comentário:
Excelente análise!também sou da opinião de mudar algo quando estamos em alta.abraço a si e a todos os portistas.Saraiva
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