quarta-feira, 9 de abril de 2014

Futebolês

O futebol tem coisas engraçadas. Expressões, frases feitas, calão, metáforas. Nesta amostra não incluo comentários dos analfabetos desportivos que odeiam o nosso clube: Nem o aldrabão do Dia Seguinte, o asno pomposo do Prolongamento, e muito menos as cacofonias do talhante dos fígados. Ficam também de fora, esses por absoluta falta de espaço, as redundâncias do Gabriel Alves, as bacoradas de Jorge Jesus, os disparates do intestino delgado, e os vómitos semanais de Leonor Pinhão. Para estes a minha gargalhada de desprezo. Dispenso-me de “traduzir”, por sobejamente conhecidas, cada uma das palavras ou expressões em itálico. 

No antigamente é que era gamar. Quem não se lembra do Águas sempre à mama ou do Vata, avançados da instituição, e do golo fantasma? Até lhe fizeram uns versos: Que ali vai de alegria, que ali vai de animação, vem todos p’ra ver o Vata, marcar golos com a mão. E os caramelos que mandavam? Tudo aos Xutos e Pontapés.
Agora até parece que jogámos a feijões. À ceguinha seja eu. Palavra que eu preferia que jogássemos à Ramaldense a todo o gás e dessemos aos nossos adversários uma abada das antigas. Nanja que por vezes não tivéssemos um futebol acutilante mas, para meu gosto, com demasiados passes a adornar o esférico. Faltou-nos um carregador de piano. Depois, claro admiram-se da moldura humana acenar com lenços brancos. Bem sei que não temos jogadores que peguem de estaca, mas os nossos extremos nem sequer fazem a bola pingar na área!

E não foram os grupos da alta-roda que nos tramaram, foi mais o ambiente escaldante que se fazia sentir à volta do gramado. Não conseguimos encontrar movimentos de rutura, apanhar a defesa em contrapé, aparecer nas costas ou no espaço vazio. Como isto vai acabar não sei, prognósticos só no fim! Tenho saudades do tri do Oliveira, do tetra do Jesualdo ou do penta do Engenheiro. Como sou dos antigos ainda me lembro dum Porto x Benfica em que Lemos fez um Poker! E ainda não havia, no dizer do homem dos caracóis, as Novas Tecnologias.
Dentro da área de rigor, o pobre Jackson parece uma estaca acerta uma em dez. Faltou-nos como em outras alturas, um Juary arma secreta com entradas fulgurantes onde armasse o gatilho, e nos fizesse pelo menos, arrancar um ponto. Não temos artilheiros nem artilharia. Então nas asas é um desastre. Varela de um lado e agora Quaresma deviam ser 2 alas para atirar a matar. Parece que voltamos ao tempo em que atravessar a ponte já era perder. Bem sei que tivemos um período que foi sempre a aviar. Tiraços e passes de bandeja faziam a equipa dar verdadeiros banhos de bola. A cada biqueirada a gorduchinha beijava as malhas. Lá atrás o bicho não deixava passar uma. Era mesmo uma defesa de betão. Podíamos mandar bocas ao adversário que não parecia mal. Raras vezes a Bíblia ou o Rascord se atreviam a dizer mal de nós. Ai deles! Levavam logo com um blackout nem cheiravam a relva.
Dava gosto ver-nos jogar. Lembram-se da equipa do Special One? Umas vezes em bloco alto, outras em contenção, isto claro, no dizer do bitaites. A bola sempre colada ao pé, um futebol à flor da relva, nada de jogadas enroladas ou chuveirinho, nem brincas-na-areia como Di Maria a amandar-se para a piscina. O Deco mais o seu futebol de fino recorte, verdadeiro patrão da equipa a enfiar a bola pelo buraco da agulha. Eram cabazadas de meia-noite! E lembram-se dos 5-0 que o Libras Boas espetou aos mouros? Não havia caceteiros que nos derrotassem. Em 30 anos já nem sei quantos Canecões ganhámos. E até tínhamos jogadores da cantera. Capitão João Pinto, Vítor Baía, Fernando Gomes, Bruno Alves. Tanto congelavam a bola, como entravam de carrinho. Tudo com genica. Marcávamos golos de chapéu, pontapés de bicicleta ou livres à entrada da área com conta, peso e medida mesmo com as defesas a morderem-nos os calcanhares. Por mim até podiam ser chouriços, que não me importava nada.

E Jardel a voar entre os centrais? Olá Rui Veloso! Este ano, o teu Benfica, é que vai ser, não é? Nesta época já nem percebo! Andam com a sofeca, não conseguem dar a volta ao marcador. Às vezes mostram um ar da sua graça, mas é sol de pouca dura. Vítor Pereira foi de malas aviadas, e Paulo Fonseca deu o estouro, nem foi precisa a chicotada. Uma boa ideia foi irmos pescar Quaresma. O homem tinha fome de bola, e de andar à porrada. Já nem me lembrava dos nós cegos ou dos penaltis falhados. Tanta coisa para um livre dos 11 metros! Fazia a paradinha e pronto: “Vai buscar ao fundo do barbante!” Ou então marcava à Panenka. Mas viram como trocou os olhos à defesa do Nápoles? Parece que estou a vê-lo: descaído para a direita, domina o esférico, faz uma revienga ao adversário mete para dentro, e já la mora! Nem precisou de passes de letra. Com o Sevilha lá veio mais um de trivela.

Poucas diagonais fazemos. Passes a rasgar só quando o rei faz anos. Precisamos de chutar de qualquer sítio. Do meio da rua, num emaranhado de pernas, ou na cara do guarda-redes. Não gosto de pontapés a fazer cócegas à bola! Corremos o risco de ficar em branco, e depois encostamos às boxes.
O triângulo invertido foi uma anedota, sempre a jogar na retranca. Ainda se lá estivesse o Paulinho Santos… ou passava a bola ou passava o homem, quem se armasse com ele ficava logo com um olho à Belenenses! Com dois trincos não havia apoio ao ponta-de-lança nem passes de morte. Por isso Jackson nem via o padeiro.

O Fonseca tinha uma equipa arrumadinha em Paços de Ferreira. Jogavam para o pontinho mas cumpriam. Tinham um fio de jogo, digamos assim. Este ano nem fomos arrumadinhos nem galáticos. Parecia que não queríamos sujar os calções como o Nené! Não temos sheiks do petróleo, nem este ano vai haver nenhum golpe de teatro que faça Jorge Jesus ajoelhar. O golo de Kelvin foi chão que deu uvas. Os homens de negro também estão voltados para outro lado, não ajudam nada. Proenças, Paixões ou Capelas são presentes envenenados. Já se vê, tudo culpa de quem os ensinou, o tratador dos cãezinhos amestrados, adepto dos Calimeros. Então nos pasquineiros é difícil descobrir o pior. Já viram a “verdade” do manhoso da treta?
Entre as nossas claques até estou admirado! O macaco bem puxa pelos Super Dragões, mas não marcamos nem com a mão de Deus. Umas jornadas atrás calhei mesmo por baixo do Colectivo. Ena pá! Fiquei com a cabeça num bolo! Acho que jogamos muito mastigado, mesmo que seja um jogo de mata-mata não ganhamos uma bola dividida. Apesar de tudo lá matámos o borrego, não perdemos em Itália. Jogámos em pressão alta, a descobrir espaços. Com o Sevilha o Mangala e o Fernando lá meteram o nojo do costume! Vamos ver no que dá a partida de volta que é como quem diz esperar sentados
NOTAS – A maioria das expressões em itálico foram retiradas do livro HEROIS À MODA DA BOLA, um interessante livro de João Carlos Brito, editado por LUGAR DA PALAVRA EDITORA.  O Autor, amigo portista, tem outras obras publicadas, nomeadamente: Dicionário do Caraças, Heróis à Moda do Porto, Dicionário Gastronómico Tripeiro, e Francesinhas à Moda do Porto.

As fotomontagens e o exercício de “acomodar” as expressões no texto são da minha autoria.

Esta crónica é dedicada a Miguel Lima do Tomo II outro grande portista cujos artigos devoro deliciado pela graça, irreverência, acutilância, e inovação gráfica pouco comum nos blogues. Espero encontrá-lo no III Encontro da Bluegosfera.

Até à próxima

2 comentários:

Penta disse...

meu caro José Lima,

muito obrigado! pela prosa. muitas das expressões, mas sobretudo muitos dos intervenientes e dos momentos, vivi-os na primeira pessoa, também.
para lá do momento Kelvin e da absolutamente fantástica época de 2010/2011, e das duas excepcionais de José Mourinho, o "penta" ficará para sempre guardado no meu coração. foram cinco anos em que, para lá de poder suportar as cotas de sócio a expensas próprias, ainda tinha lugar cativo (em banquinho de pedra) na bancada do saudoso Estádio daas Antas, três filas acima da rede e mesmo no enfiamento da linha de meio-campo. a minha cadeira de sonho, carago! ainda tenho na retina a estreia do Jardel, a salvar-nos de uma derrota ante o Setúbal...
nos dois últimos anos do Penta, mudei-me para os cativos. um luxo :D
aí, recordo-me de que os tempos eram outros com o Deco em campo - o melhor jogador de futebol que vi com a nossa camisola vestida. o meu saudoso Avô garantia-me que o Hernâni era bem melhor. eu não vi o Hernâni, sequer o Oliveira. comecei a ver futebol com o Gomes, o Vermelhinho, o Rui Barros e claro o Paulo Futre. e o Elói. e o Juary. até com o Casagrande.

enfim...
mais uma vez, obrigado! por esta grata viagem no tempo. e pelos elogios, que sabem sempre bem. e também espero poder revê-lo no III Encontro da Bluegosfera, pois claro :D

abr@ço
Miguel | Tomo II

JOSE LIMA disse...

Ok Miguel eu é que agradeço o estilo do seu blogue ter servido de inspiração para o meu puzzle de palavras.
Já pensou o que é pegar numa molhada de 200 expressões e encaixá-las num texto? Nem calcula o gozo que me deu.
E o Hernâni era mesmo muito bom e o Pedroto também.
Eu sou do "antigamente" já venho da Constituição, veja lá "o que passei pr'aqui chegar".
Não sei se colocarei crónicas por muito mais tempo, tenho que dar lugar aos novos. Até lá
Vou andar por aí
Perguntar por aí
A ver se encontro
A paz que perdi
Viu a Elis ao vivo? Eu tive essa felicidade. No Teatro S. João aqui no Porto nos anos 60, acompanhada pelo Jazz Bossa Trio.
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Abraço