domingo, 8 de julho de 2012

O futuro da selecção nacional e do futebol português.(parte 1)


Chegado o fim do Euro 2012, após uma boa participação portuguesa, caindo nos penaltis para a campeã do Mundo, chegou o momento do balanço.

Se antes do Euro 2012, muitos já decretavam quase o fim da selecção nacional, o Euro 2012 deu para calar alguns desses críticos e velhos do Restelo, autênticos arautos da desgraça que só vivem de deitar abaixo o futebol português. São como aqueles críticos de cinema que para se fazerem notar gostam de dizer mal do filme que viram, ainda que até tivessem gostado de o ver. Por mais que Portugal seja 5º no ranking da Uefa a nível de clubes, e mesmo com um Braga a chegar a uma final europeia, são os primeiros a falar de como o nosso futebol é fraco, a nossa liga não presta e de de como não temos futuro devido à nossa fraca qualidade... Depois do descanso do Euro 2012 e sem muito que dizer de uma boa participação portuguesa, logo apareceu nova teoria da desgraça do nosso futebol...
  • A falta de sucessão
Os nossos jogadores agora até são aceitáveis e temos um melhor do Mundo, mas depois desta geração vem o vazio… Nada de novo, o mesmo se dizia do pós geração de ouro, e o que vimos foi o surgimento de um Porto campeão da Europa com uma base de jogadores portugueses e o aparecimento para a selecção nacional de valores como: Ricardo Carvalho, Bosingwa, Costinha, Maniche, CR7, Quaresma, Nani, Moutinho, Coentrão etc.

Compreendo que se deve alertar para os problemas da formação em Portugal. Mas existe uma linha (e agora esta expressão está tão na moda) que separa os problemas estruturais da formação e aquilo que é a qualidade do trabalho que por lá se faz.

Os técnicos portugueses são bons. Dos melhores da Europa. O boom que se deu com Mourinho deu-lhes visibilidade… Mas em termos de trabalho na formação tivemos sempre excelentes profissionais que trabalhavam na sombra e que por isso não são tão mediáticos mas que fazem trabalhos extraordinários no futebol de formação. Tudo começou com Carlos Queiroz (que infelizmente actualmente apenas é recordado pelo seu percurso na selecção principal), passou por Jesualdo Ferreira, sofreu um ligeiro interregno mas continuou com Ilídio Vale, António Violante e agora Edgar Borges. Nomes pouco conhecidos do grande público mas que são um exemplo em termos de treino dirigido à formação de atletas.

Depois temos a qualidade dos atletas. Essa não desapareceu. Portugal tem apenas 10 milhões de habitantes e ainda assim, continua a ter selecções que se qualificam para os grandes torneios e fazem boa figura. 

Existem uma série de chavões e de ideias feitas quando se quer falar de futebol de formação. É dizer que o futebol português está em risco porque os grandes têm muitos estrangeiros e, por outro lado, a diminuição de qualidade do jogador português. Obviamente que no melhor dos mundos deveria encontrar-se forma de que na formação dos 3 grandes jogassem mais portugueses, mas a verdade é que os factos provam que continuam a sair bons jogadores da formação dos 3 grandes com a nacionalidade portuguesa. O facto de se formar também estrangeiros não é impeditivo que se formem, e bem, jogadores portugueses. Não quer dizer que os que tenham qualidade não apareçam. Prova disso é o Barça e o Madrid que são das maiores canteras de Espanha e que têm servido as selecções jovens espanholas mas que também têm estrangeiros em todos os seus escalões. Por vezes até espicaça mais a competitividade e faz com que o jogador espanhol evolua mais.

Mais que tudo, parece-me uma inconsciência que se diga que existe um vazio geracional após a actual geração da selecção principal de Portugal. Tudo porquê? Porque não temos outro CR7? Mais me espanta que quem faça esse tipo de afirmações sejam jornalistas que se dizem tão entendidos de futebol e que teriam a obrigação de estarem atentos ao percurso das selecções de formação. Portugal deu vários passos atrás em termos de formação no reinado do Sr. Scolari. Por essa época, Gilberto Madail deixou o futebol de formação abandonado e não havia por parte do Sr. Scolari qualquer tipo de preocupação em assegurar o futuro do futebol português. Ele sempre se demonstrou mais preocupado em assegurar o seu próprio futuro e foi isso que fez.

Contudo, após esse período em que Portugal claramente baixou de escalão no que à formação diz respeito, passando de ser tradicionalmente uma das selecções mais fortes, para nem sequer se qualificar para fases finais… Depois desse período como referia, e já com Queiroz ainda que aos repelões, retomou-se o trabalho da formação no seio da FPF, e um projecto foi sendo consolidado, principalmente por Ilídio Vale que germinava uma geração para surpreender os senhores do futebol em Portugal. Assim nasceu a denominada “geração coragem”. Um grupo de jogadores que Ilídio Vale reuniu, trabalhou-os e fez deles um colectivo forte, capaz de lutar contra selecções com valores individuais infinitamente superiores. Aí começou a haver uma pequena alteração de paradigma na formação em Portugal. Algo que já vem dos clubes, dos jogadores e principalmente do treinador português. A capacidade de se adaptar, e de trabalhar com menos meios mas com capacidade de conseguir grandes resultados.

Um país pequeno como Portugal tem duas soluções: ou espera sentado por uma geração de ouro espontânea (e não foi o caso da de Queiroz que foi fruto de muito trabalho), ficando depois anos e anos como uma selecção fraca, ou então provoca a evolução do seu jogo para que os seus atletas saiam com uma cultura táctica, e uma ideia de colectivo forte, capaz de superar adversários com grandes valores individuais. Em vez de se fortalecer o jogador português enquanto mero produto, tenta-se valorizar o jogo português e dar-lhe um upgrade. Criar um modelo de jogo, no qual assentem valores colectivos fortes que sejam transversais a todos os escalões de formação, para que depois esses jogadores possam chegar à selecção principal já num modelo de jogo bem trabalhado e não apenas num só sistema, para dar uma aparência ténue de continuidade.

Foi assim que a França começou por se tornar uma potência na formação e foi por aí que se assistiu a este crescimento da Espanha. Primeiro é fundamental que se trabalhe bem nos clubes, depois cabe à federação criar um projecto sustentado transversal a todas as camadas jovens e escolher técnicos capazes de levar a cabo esse projecto e que se identifiquem com o modelo apresentado.

A “geração coragem” era antes de Ilídio Vale mais uma geração perdida como tantas outras após o consolado Scolari. Jogadores que tinham algum talento, mas sem nenhum fora de série como outrora. Caminhavam para o esquecimento. A última geração campeã da Europa era a de sub-17 de Vieirinha, Bruno Gama, Helder Barbosa, P. Machado e que tinha no banco um Moutinho e como central um M. Veloso. De lá para cá não havia nada. Mas essa foi porventura a última geração do velho estilo da formação do futebol português. Talento puro. Juntar jogadores muito talentosos, principalmente nas alas, com elevada qualidade técnica e fazer com que o nosso jogo dependesse mais de rasgos individuais do que propriamente de uma cultura táctica forte. Como havia uma série de talentos, principalmente nas alas, a ideia passava por simplesmente criar um modelo que pudesse libertar o talento desses atletas.

Ilídio Vale não tinha jogadores com essas características. No entanto tinha jogadores interessantes e um grupo que bem trabalhado poderia dar frutos. E foi isso que se fez. Portugal passou de ser goleado, a chegar ao Mundial com uma organização defensiva inapelável e fortíssimo nas transições, principalmente com a grande referência no ataque: Nelson Oliveira. Foi o espelho daquilo que poderá ser o futuro do nosso futebol. Extremos interessantes mas longe do protagonismo de outrora de um CR7 ou de um Quaresma, ou mesmo Vieirinha e Helder Barbosa. A força desta geração contruida por Ilídio Vale residia no colectivo e na sua maturidade táctica.
  • Portugal está a formar menos extremos e mais médios e laterais
Continua a faltar-nos o ponta de lança. Uma pecha na nossa formação. Mas numa altura em que tanto se fala de falta de soluções no meio campo da selecção, a verdade é que o que mais tem saído da formação têm sido médios. Não são é Decos e Rui Costas, pura e simplesmente porque o 10 clássico tem tendência para desaparecer. Agora saem médios completos que defendem e atacam, e que fazem boas compensações mas sem assumirem uma batuta de maestros. A prova desta proliferação de médios está na selecção de sub-21 que tenta apurar-se para o europeu da modalidade e que alterou o sistema táctico do 4-3-3 que toda a formação e a selecção principal usam, para um 4-4-2 para melhor aproveitar a quantidade de médios que tem nas suas fileiras.

O facto é que fazendo das fraquezas forças, e apostando num futebol de transições que é cada vez mais a cara do futebol português, Portugal esteve perto, muito perto de voltar a ganhar um Mundial sub-20. Perdeu no prolongamento para um Brasil que tinha no seu 11 jogadores que por falta de concorrência jogam já todos nos melhores clubes brasileiros a titulares em jogos de elevada pressão, enquanto que os nossos jogadores jogavam na 2ª liga e alguns ainda nos juniores…

Por isso parece-me estranho como se atirar para o ar a ideia de que não há jovens talentos a surgirem e que a selecção nacional caírá um vazio… Como se pode dizer isso quando somos os actuais vice-campeões mundiais de sub-20 e o 2º melhor jogador desse torneio até já é convocado para a selecção principal…?
  • Por outro lado apareceu agora nova geração que dará que falar.A que está a disputar o Europeu de sub-19, liderada por Edgar Borges
Não tem ainda nenhuma alcunha como a anterior, mas quem está por dentro do futebol de formação já há muito ouvia que esta geração de sub-19 comandada por Edgar Borges tinha tudo para igualar ou até superar os feitos da "geração coragem". Por muitos era até apontada como melhor. Com melhores jogadores, capazes de assumir mais o jogo, e de ter um estilo mais ofensivo.

Faltava a prova dos nove que era uma grande competição. Mas a água na boca foi ficando desde que grande parte dos jogadores que fazem parte desse grupo fizeram uma excelente campanha na Uefa Next Gen, uma competição sub-19 de clubes que se assemelha a uma espécie de champions league de sub-19, e onde a equipa do Sporting inicialmente comandada por Sá Pinto deu que falar e chegou quase à final, caindo apenas aos pés do Inter.

No campenato nacional foi-se assistindo também a uma série de bons jogadores do Benfica e do Porto. Edgar Borges começou a trabalhar então na geração que iria suceder à geração coragem de Ilídio Vale. E a verdade é que a campanha de qualificação para o Europeu da categoria foi simplesmente demolidora. Muitas goleadas, qualidade de jogo acima da média e uma reputação no meio futebolístico que foi sendo construída. Tratou-se da selecção mais goleadora da fase de qualificação.

Contudo faltava a confirmação da sua qualidade numa grande prova que seria o Europeu. Competir com outras selecções de elevado gabarito. Portugal ficou incluíudo no grupo da Espanha (campeã) que havia sido carrasco da geração anterior, que não obstante ter chegado mais longe no Mundial de sub-20, no Europeu anterior haveria perdido para a Espanha, tendo ficado assim pela fase de grupos. Para além da Espanha temos Estónia ( a organizadora do europeu e a equipa mais fraca do torneio) e Grécia (que começa a ter bons resultados no futebol jovem) no nosso grupo.

Portugal estreou com a Estónia e logo ganhou 3-0, fazendo uma exibição afirmativa mas ainda com algumas falhas fruto de algum nervosismo e ainda sem aquela perfume que se havia visto nos jogos de qualificação. O grande teste seria com a Espanha dos craques Jesé Rodriguez (a maior promessa da cantera madridista e que já vem trabalhando com a primeira equipa), e ainda Gerard Deloufeu, a maior promessa de La Masia, a cantera catalã que tão bons jogadores tem dado à selecção espanhola.

Ora assistiu-se a um grande jogo. Com alternância no resultado e que acabou com um 3-3 final,após a equipa das quinas recuperar 3 vezes de uma situação de desvantagem. Um equílibrio de forças tal como havíamos visto nos principais, embora com mais futebol ofensivo de parte a parte. Por outro lado resultava claro que Espanha, tal como na selecção principal, dispõe de mais e melhores soluções que nós. Mas foi aqui que ficou a maior mensagem para o futuro do futebol português. A força do colectivo. Esse é o nosso futuro. Portugal sub-19, tal como a selecção principal, conseguiu com menos individualidades e menos recursos equilibrar o jogo e bater-se com uma das maiores potências mundiais.

Espanha já nos sub-19 tem o mesmo modelo da principal. Muito toque de bola, jogadores muito evoluídos tecnicamente, mas tem algo a mais que é a profundidade ofensiva. Por outro lado ainda lhe falta afinar o momento da transição defensiva. Contudo é um exemplo de trabalho de formação. Ao longo do jogo, a maior parte das indicações que se ouviam do banco espanhol eram sempre as mesmas “tocala, tocala”. Ou seja, pedia-se aos jogadores que tivessem a posse de bola, que a tocassem até não poder mais, para assim controlar o adversário. É um modelo de jogo consolidado que já vem desde os escalões mais jovens. Depois poderá discutir-se se é esse o modelo mais correcto ou não, mas é de salientar este trabalho.

Esse deve ser o nosso caminho e tem sido bem feito pelos excelentes treinadores que temos na nossa formação quer em clubes quer na FPF. Foi importantíssimo acabar com os "jobs for the boys". Durante algum tempo, enquanto alguns treinadores com créditos firmados na formação viram os seus contratos extintos, os novos selecionadores nacionais não eram necessariamente experts do futebol de formação, mas sim ex-jogadores da confiança ou do técnico principal ou dos líderes federativos. Felizmente voltou-se ao bom caminho e trouxeram de volta não os nomes mais sonantes de ex-jogadores, mas sim aqueles que melhor trabalham em Portugal no futebol de formação. Fundamental a incorporação de Ilídio Vale que estava há anos na formação do F. C. Porto mas que era claramente dos melhores em Portugal e era necessário na FPF para o bem do futebol português. Agora para além de selecionador dos sub-20 ele tem um cargo de supervisão de todos os escalões de formação. e o trabalho já tem dado frutos nos mais diversos escalões. Até os sub-15 que estão agora a ser formados já demonstram qualidade, e nota-se que há um projecto que não acaba quando muda a geração de jogadores.

2 comentários:

Joao Goncalves disse...

fantástico artigo caro Ricardo ;)

http://fcpsempredragao.blogspot.pt/

Ricardo Costa disse...

Muito obrigado João.
Obrigado pela visita.Apareça sempre.