terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Fugas de Capitais e Outras Que Tais - Parte II

José Mourinho já tinha enfrentado um problema semelhante. A sua chegada à Premier League há 12 anos consolidou o negócio de Mendes e este fez a sua parte no acordo com Mourinho. Desde então o treinador recebe os rendimentos por direitos de imagem através de uma estrutura offshore que se reparte entre Irlanda, Ilhas Virgens Britânicas (BVI na sigla inglesa) e Nova Zelândia, que dificulta o controlo de qualquer autoridade fiscal. 
 
Segundo a revista "Der Spiegel", numa investigação da rede europeia de jornalismo EIC —European Investigation Collaborations, à qual o Expresso se associou, a Agência Tributária de Espanha realizou uma inspeção às declarações de Mourinho em 2014 e impôs-lhe uma sanção um ano depois. O valor final da coima, 2,1 milhões de euros (20% das suas receitas entre 2010 e 2013) prova os obstáculos que o ministério espanhol das Finanças enfrenta perante o universo de Jorge Mendes.
Sendo um dos primeiros clientes de Mendes, Mourinho serviu para aperfeiçoar um sistema que se repetiria noutros casos. O facto de o treinador ter chegado ao Reino Unido, onde o superagente já tinha relações de negócio, e de o ter feito de forma fulgurante, levou a que muitos patrocinadores se interessassem por ele, permitindo montar uma estrutura em seu redor. Essa estrutura começou nas Caraíbas, no mesmo sítio da realizada em torno de Cristiano Ronaldo: num edifício em Vanterpool Plaza, na ilha de Tortola, que pertence as BVI, consideradas um paraíso fiscal pela OCDE. Ali foi criada uma empresa chamada Koper Services SA e foi a essa sociedade que Mourinho, em 2004, entregou os seus direitos de imagem, com uma contrapartida financeira, mostram os documentos obtidos pela "Spiegel". 
 
Graças à permissiva legislação fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, a Koper não deveria pagar impostos sobre os rendimentos publicitários do treinador, mas a gestão destas receitas não podia ser feita num escritório sem empregados naquele território insular britânico. Entre 17 de Setembro de 2004 e 22 de Dezembro de 2008, a Koper cedeu a exploração dos direitos de imagem a duas empresas do grupo de Mendes na Irlanda, a Multisports & Image Management Limited (MIM) e a Polaris. Assim, treinador e agente garantiram que trabalhariam dentro da União Europeia e, ao mesmo tempo, com uma baixa tributação (o imposto sobre sociedades na Irlanda é de 12,5%). 
 
Se, em qualquer momento, as autoridades de algum país se interessassem pelo assunto e tentassem atribuir a propriedade da offshore Koper ao técnico, deparar-se-iam com uma empresa de fachada. Outra empresa na BVI, a Operating Nominees Limited, com morada também no referido edifício de Road Town, apresentava-se como dona da Koper, ainda que, na realidade, o controlo da mesma estivesse a milhares de quilómetros das Caraíbas. 
 
Segundo os documentos obtidos pela "Spiegel" e partilhados com o consórcio EIC, o contrato Kaitaia Trust, firmado em Auckland, Nova Zelândia, tinha como "trustees" (os detentores deste titulo de propriedade) as empresas Denton Morell e Kaitaia Holding, e eram estas na realidade as donas da Koper. José Mourinho era quem usufruía os ativos abrangidos por aquele contrato, que tinha ainda como beneficiários no longo prazo a mulher e filhos do treinador. Este esquema enviava os ganhos publicitários de Mourinho para outro ponto do globo e, alem disso, permitia-lhe arrecadá-los para o futuro sem precisar de tributá-los anualmente.
 
As sanções poderiam ser pesadas mas as Finanças espanholas costumam fazer acordos com os incumpridores, de forma que eles acertem o valor com o fisco, sem chegar a Tribunal. Assim aconteceu com Mourinho, Ricardo Carvalho, Mascherano, Messi e Neymar. Posteriormente a estas notícias divulgadas por vários órgãos noticiosos, os nomes de Pepe, Fábio Coentrão, Benzema, Xabi Alonso, Di María, e o antigo avançado do Atlético de Madrid Radamel Falcão, foram associados a este escândalo de proporções imprevisíveis.
Será interessante referir que o “agente especial” que chefia toda esta tramoia tem uma atividade ímpar. Patrocina os jogadores e trabalha para os clubes. Quando há uma transferência, ganha comissão do vendedor, do comprador, e do pobre diabo que lhe vendeu a pele. Se o jogador sair um Baroni, um Pablo ou um “pinheiro de Natal” quem perde é o comprador. Em que morada fiscal terá este espertalhão registado o seu avião particular?
 
Só para que não nos fiquemos a rir, também em novembro do ano passado, o Football Leaks divulgou documentos relacionados com o FC Porto. Neste caso sobre verbas alegadamente pagas pela SAD à Energy Soccer de Alexandre Pinto da Costa, filho do presidente portista. De acordo com essas informações, a empresa de representação de jogadores teria recebido cerca de 430 mil euros por serviços de intermediação referentes a quatro negócios distintos. Ora novos detalhes foram relatados pela Football Leaks que dão conta que não só a Energy Soccer fez negócios com o FC Porto como também terá violado a lei no que aos empresários desportivos diz respeito. Em pelo menos dois negócios a empresa terá faturado ao clube de origem e à equipa de destino. Uma espécie de “prestação de serviços” muito usada nas agências imobiliárias que recebem uma comissão do senhorio e outra do arrendatário quando lhe propõe arrendar uma casa.
 
Em 2013, na saída de Carlos Eduardo do Estoril para o FC Porto a Energy Soccer recebeu 100 mil euros do FC Porto em junho pela intermediação do negócio sendo que, em outubro, embolsou 68.400 euros do Estoril como comissão dessa mesma transferência. Contornos idênticos tem a venda de Rolando. A 16 de agosto de 2013, a empresa de Alexandre Pinto da Costa faturou 60 mil euros ao FC Porto como comissão pelo empréstimo do central ao Inter e, no mesmo dia, emitiu uma fatura de 75 mil euros ao Inter.
O semanário 'Expresso' dá ainda conta dos valores que envolveram a transferência de Casemiro. A Energy Soccer ganhou 700 mil euros pela saída do jogador do FC Porto para o Real Madrid, jogador que era do Real, mas estava emprestado aos dragões. Em junho de 2015, os merengues ativaram a cláusula do contrato que suspendia a opção de compra de compra do jogador pelo FC Porto e pagaram 7,5 milhões de euros aos azuis e brancos. Os 700 mil ganhos pela empresa de Alexandre Pinto da Costa, avança o Football Leaks, não foram pagos pelo clube, mas pela Vela Management (com sede em Malta), empresa liderada por Nélio Lucas, presidente da Doyen.
 
Outro caso que nos diz respeito refere-se a Brahimi. Segundo o sítio Mediapart a Doyen terá recebido em 2015 do FC Porto procuração para negociar a venda do atleta. E se a venda se concretizasse este fundo receberia 10% de comissão sobre a transferência a acrescentar à percentagem anterior que já detinha. 
 
Boas Entradas e boas comissões.

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