quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Minuto 13 da Jornada 13

Faz na próxima sexta-feira 43 anos que Pavão morreu. Foi no dia 16 de Dezembro de 1973 e eu estava lá. Os que me conhecem sabem que o meu passatempo favorito era filmar e tirar fotografias. Dirigi a Secção de Cinema Experimental do Cine Clube do Porto, no Edifício Capitólio, ali bem perto da nossa antiga Sede na Avenida dos Aliados, ainda nos anos 60.

O Dr. Paulo Pombo, meu amigo e nosso presidente entre 1957 e 1959, tinha-me arranjado um cartão de fotógrafo do Jornal O Porto para poder fazer as minhas “reportagens” no ainda muito recente Estádio das Antas. Naquele Domingo recebíamos o Vitória de Setúbal e resolvi filmar o jogo com um colega, Jorge Baía, também do Cine Clube para conseguirmos imagens de ângulos diferentes que depois seriam intercaladas na montagem. Ele ficava na bancada, nos cativos, e eu lá em baixo na então pista de cinza junto à linha divisória do meio-campo do lado da Bancada Central. Naquela altura era desse lado que os bancos dos treinadores se situavam.

Então o combinado era que começássemos os dois a filmar sempre que o Porto tivesse a bola e fosse para o ataque. Naturalmente ele com um plano aberto e eu com planos aproximados. Nesse dia jogaram: Tibi, Rodolfo, Ronaldo, Rolando, e Guedes, Pavão (depois Vieira Nunes), Marco Aurélio, Bené, Oliveira, Abel, e Nóbrega. O treinador era Béla Gutmann.

Vem então o malfadado minuto 13, o guarda-redes do Setúbal pontapeia a bola e começo a filmar. Pavão a 15 metros de mim devolve de cabeça em direção ao António Oliveira e imediatamente cai de bruços. Não parei de filmar, vários jogadores aproximam-se, Béné vem para trás debruça-se sobre Pavão, leva às mãos à cabeça e foge do local. Do banco salta o Dr. José Santana chama imediatamente os maqueiros que transportam Pavão inanimado para os balneários. Passado pouco tempo o som da sirene da ambulância não augurava nada de bom. O atleta tinha sido transportado para o Hospital de S.João.
Entretanto a equipa da RTP destacada para o jogo tinha chegado atrasada mas ainda conseguiu apanhar imagens do atleta a ser retirado do campo. Só muito perto do final vimos pela abertura da Maratona a ambulância regressar. Os bombeiros dirigiram-se logo para o banco de suplentes e comentaram em voz baixa. Pelas expressões de quem lá estava percebeu-se a triste notícia. Um dos nossos melhores atletas de sempre tinha falecido. Octávio, que mais tarde viria a ser nosso jogador, chorava convulsivamente. Os jogadores trocavam a bola entre si à espera que chegasse o final do encontro para acabar aquele pesadelo.

Os filmes em Super 8mm Chrome tinham que ser enviados a Lisboa para serem revelados na Kodak. Logo que o recebi de volta procedi à montagem e acrescentei-lhe o genérico inicial. Chamei-lhe “MINUTO 13” e tem cerca de 15 minutos. Preparamos, dias mais tarde, uma projeção privada para a família e companheiros da equipa no Pavilhão Américo Sá. O filme foi entregue depois ao Dr. Paulo Pombo para que o fizesse chegar à Direção. Por motivos que desconheço tal não aconteceu e só anos mais tarde tive conhecimento que um dos netos do Dr. Paulo Pombo quando foi receber a roseta de prata o entregou ao senhor Pinto da Costa então já nosso presidente.

A partir daí perdi o rasto ao filme. Antes do Museu ser inaugurado e a convite da família participei com funcionários do clube na escolha dos objetos do nosso ex-presidente que seriam doados para exposição e posso garantir que o filme não constava do seu espólio. Mais tarde quando foi inaugurado visitei o Museu e tentei saber onde estava exposto. Foi-me dito que não sabiam do que se tratava mas que ainda havia um grande número de objetos para classificar. Já voltei lá várias vezes, entretanto a Conservadora mudou, mas ninguém sabe onde se encontra a bobina. Se alguém tiver acesso aos responsáveis do Museu ou ao senhor Pinto da Costa agradecia que tentassem saber onde poderá estar. Provavelmente numa qualquer prateleira com excedentes que não foram utilizados por falta de espaço na exposição. É um documento importante e está numa bobina como esta, protegida por uma caixa de cartão. 
Até a próxima

4 comentários:

Lápis Azul e Branco disse...

Excelente e impressionante testemunho, José Lima. Obrigado por isto.

JOSE LIMA disse...

Obrigado amigo. Recordo-me dos pormenores como se fosse hoje. Foi a recordação mais triste da minha vida. Abraço

aires disse...

Salvo erro o Porto atacava para a superior sul e o cabeceamento dá-se na zona do meio campo descaído para a direita, um momento muito triste pois além da morte dum ser humano, perdemos talvez o melhor centro campista que vi jogar era um príncipe, ficou para sempre na memória de quem teve o privilégio de o ver jogar.

JOSE LIMA disse...

Exactamente caro Aires. As suas memórias são perfeitas.
Saudações portistas.