terça-feira, 26 de junho de 2012

O nosso Euro. Portugal x Espanha- Antevisão (parte 1)

Meia-final ibérica. Espanha campeã da Europa e do Mundo será o nosso último obstáculo até à sonhada final. A Espanha venceu a sua besta negra (nunca havia ganho a França num jogo oficial), num jogo sonolento e em que uma vez mais pudemos assistir ao futebol de posse da Espanha a neutralizar o adversário. Espanha pratica aquilo que um jornalista um dia apelidou e muito bem de catenaccio ofensivo.

Enquanto no Catenaccio se tentava neutralizar o adversário através de um sistema defensivo rigoroso e um estilo de jogo cínico e especulativo, a Espanha tenta na mesma impedir o adversário de jogar e de marcar, mas roubando-lhe a bola. A Espanha, assim como o Barcelona numa escala diferente, nestes últimos anos instalaram a ditadura da posse. O Catenaccio da posse. A ideia, e essa ficou clara no jogo com a França, não é ter muita posse para atacar muito e criar muitas oportunidades de golo porque Espanha não tem criado grandes oportunidades de golo, e já no Mundial 2010 não foi uma selecção que tivesse criado muitas oportunidades de golo.. Acima de tudo começa por ser uma estratégia defensiva, por paradoxal que possa parecer. A Espanha tem a posse para se poder defender melhor. Aproveitam a enorme qualidade técnica dos seus executantes e as rotinas que trazem do seus clubes, principalmente do Barça, para acima de tudo, impedir o adversário de jogar.

Uma posse que na selecção espanhola, ainda mais que no Barça, nem sempre tem progressão ofensiva. Uma série de passes são feitos para o lado e para trás, tentando adormecer o adversário, irritá-lo, para que no momento certo possa meter um passe de rutura que possa resultar num golo.

O jogo assim torna-se algo aborrecido. Enfadonho. Embora muitos elogiem a estética do jogo do Barça como se essa fosse a única forma de jogar. O Real Madrid com um estilo de jogo mais vertical, com menos posse, que joga e deixa jogar, derrotou este estilo, demonstrando o caminho e que a posse enquanto objectivo por si só não é obrigatoriamente sinónimo de superioridade.

No jogo com a França, a Espanha praticamente criou uma oportunidade de golo em todo o jogo. Aproveitou um deslize da defesa francesa e depois foi ver a Espanha controlar o jogo com a sua posse não deixando o adversário reagir. Uma equipa que tem muita posse, mas que já no mundial 2010 foi campeã com vitórias por 1-0. Nesse aspecto parece-se com a Grécia campeã, por motivos diferentes. A Grécia pela sua personalidade e pela forma afirmativa como defende, era uma equipa muito complicada de tornear após se colocar em vantagem no marcador. Espanha pela sua qualidade em posse, é muito complicada de contrariar quando se apanha em vantagem. Porque aí pode fazer o que mais gosta. Tocar, tocar e tocar, mesmo sem grande progressão e fazer o adversário andar a correr atrás da bola. Já vai para mais de 60 jogos. Espanha após colocar-se em vantagem já não perde um jogo há mais de 60 jogos.

Chegados a esta altura do texto, muitos devem pensar que Portugal teve azar em ter a Espanha na rifa e que é o pior adversário possível. Ora o autor deste texto discorda. Antes do jogo com a França já tinha a convicção que Espanha até poderia ser o melhor adversário para Portugal nas semi-finais, o que não quer dizer que seja fácil ou que esteja ganho. 
  • Motivos para preferir Espanha á França como rival
Primeiro de tudo há a questão psicológica/motivacional que tem sempre o seu peso nestas provas. Portugal nunca ganhou à França em jogos oficiais. Mas mais que isso, Portugal tem por hábito cair nas semi-finais destas provas com a França. Isso poderia ter algum peso se o jogo começasse a correr mal e poderia condicionar de certa forma jogadores e adeptos. Poderia haver uma certa ideia de fatalismo associado aos confrontos com os franceses. Espanha não tem esse ascendente todo. Pelo menos nos últimos anos. Portugal eliminou Espanha na fase de grupos do Euro 2004. Eles também sabem, por isso o que é serem eliminados pelos portugueses. Claro que no Mundial 2010 caímos ante a Espanha, mas até esse jogo não nos deixou convencidos. A Espanha apresentava-se mais forte do que hoje, principalmente por ter mais largura e profundidade na linha ofensiva com um jogador como David Villa.

Por outro lado Portugal estava mais fraco. Carlos Queiroz nesse Mundial não pôde contar com Nani nem com Varela que poderia ser o seu substituto. Curiosamente jogadores que têm tido papeis importantes neste Europeu. Outro jogador que não esteve nesse Mundial mas por opção e que hoje é fundamental no jogo português chama-se João Moutinho.

É importante ter isto em atenção. Tal como com a República Checa, muitos recuavam a 1996 e esqueciam-se que já em 2008 haviamos ganho à República Checa de forma clara. Agora o mesmo se verifica. Enquanto que a Espanha está menos forte e tem um jogo mais previsível, Portugal está mais forte. Colectivamente está mais forte e as suas individualidades estão também a assumir protagonismo que não assumiram nesse Mundial. Mesmo a coesão do grupo e o modelo de jogo é mais claro e consolidado. Ainda assim, a Espanha venceu esse jogo mas não convenceu de todo. Portugal perdeu apenas por 1-0 e num lance em fora de jogo. Por outro lado, Carlos Queiroz errou por completo a abordagem ao jogo, e de certa forma cometeu o mesmo erro que Laurent Blanc, alterou a identidade da equipa para defrontar os espanhóis. Colocou R. Costa como lateral direito adaptado, e foi exactamente por esse lado que Portugal sofreu o golo que nos derrotou.

Muito mudou em Portugal desde esse jogo. Desde logo o treinador. Depois o próprio onze e a forma como interage com o jogo. Espanha mudou pouco e o que mudou não foi propriamente para melhor. O treinador é o mesmo. O duplo pivô defensivo mantém-se, a cultura da posse importada do Barça igualmente. Maiores alterações verificam-se nas laterais. S. Ramos passou para o centro e deixou a lateral para Arbeloa que oferece menos garantias quer a atacar quer a defender. Do lado esquerdo Jordi Alba é um upgrade em relação a Capdevilla, mas está a disputar o seu 1º grande torneio

Convém também salientar em termos motivacionais, que esta selecção treinada já por P. Bento com este grupo, já derrotou de forma copiosa a Espanha num amigável. 4-0. Obviamente que os amigáveis têm o peso que têm, mas de certa forma este grupo percebeu que a Espanha está longe de ser invencível e que temos armas para lhes criar dissabores.

Em termos tácticos e estratégicos, é mais fácil preparar um plano de jogo para defrontar Espanha do que preparar um para enfrentar esta França. Podemos dizer que com Espanha é mais fácil delinear um plano de jogo, mas mais difícil aplicá-lo. Com a França é mais difícil delinear um plano de jogo, mas mais fácil de o aplicar. A França é uma selecção em mutação, com um técnico novo, e que não tem uma identidade ainda muito bem definida. É mais camaleónica, e seria mais difícil de prever como se apresentariam e assim saber qual a melhor estratégia para os enfrentar. Prova disso foi a forma como a França se apresentou com a Espanha. Abdicou de Nasry, colocou um lateral adaptado a extremo (Debouchy), alterou a estrutura táctica jogando quase num 4-1-4-1. O meio campo sofreu alterações também significativas.
  • Uma questão de identidade
Podemos de discordar de uma série de opções de P. Bento e até criticar a sua excessiva previsibilidade e incapacidade para inovar. Acusá-lo de ser demasiado tradicional e pouco dado a surpresas. Ora, há algo no discurso de P. Bento e na sua personalidade que poderão ser a chave para derrotar esta Espanha. Identidade. A palavra mil vezes repetida por P. Bento. Portugal não deve mudar a sua identidade por jogar com Espanha. Se o fizer estará mais próximo da derrota. Essa previsibilidade será o maior dos nossos trunfos. Não alterar aquilo que somos no jogo. Manter a estrutura táctica em que a equipa melhor se sente, o 4-3-3, não abdicando do ponta de lança nem procedendo a adaptações nas laterais.

Portugal obviamente não deve ignorar as características do adversário e deve preparar-se para elas, não pode nunca é perder identidade nesse processo. Devemos saber quem somos e o que fizemos para chegar até onde chegamos. Respeitar os nossos princípios de jogo, respeitar o nosso modelo, respeitar a nossa ambição. Talvez não tenhamos feito isso em 2010 e talvez por isso também, CR7 reagiu da forma como reagiu após o jogo com Carlos Queiroz. Os jogadores sentiram-se traídos. Sentiram que atraiçoaram a sua forma de jogar em nome do medo pelo adversário.

Del Bosque antes do jogo com a França teve uma declaração curiosa dada aos jornalistas espanhóis “Não se preocupem, não me vai dar um ataque de treinador”. Acho uma frase extremamente feliz. No fundo é isto que muitas vez condiciona as ambições das equipas, quando um treinador tende a inventar e a alterar demasiadas rotinas da equipa, tentando tirar um coelho da cartola, e de tanto se embrenhar num plano de jogo para travar o adversário se esquece da sua própria equipa e da estratégia de jogo para que a sua equipa possa também jogar.
  • Espanha- Forças e Fraquezas
Espanha apresenta algumas das qualidades do Barça, mas também tem alguns dos seus defeitos e de forma mais exponenciada pela falta de Messi.

Este debate sobre Espanha jogar com um 9 mentiroso ou não, favorece-nos. Del Bosque foi campeão mundial com Espanha mas retirando algum de perfume futebolístico mais romântico que apresentava com Aragonés em 2008. Aragonês libertou os pequeninos e operou a mudança de paradigma da selecção espanhola confiando na sua qualidade de posse. No entanto não abdicou da profundidade ofensiva. Por isso jogava apenas com um médio defensivo (Marcos Senna), para que este desse liberdade a Xavi, Iniesta e todos os outros de darem a qualidade de posse, mas uma posse com mais objectividade. Tal objectividade era concedida por uma dupla de ataque com Torres e Villa que permitia à Espanha ter posse mas também poder de definição e capacidade para dar amplitude ao seu jogo e maior imprevisibilidade.

Del Bosque fez pequenas alterações mas que alteraram em termos de estilo e de estratégia o jogo espanhol. Foram as tais goleadas por 1-0 conseguidas no Mundial. Abdicou de um avançado para ter outro médio defensivo, apostando tudo num duplo pivô defensivo, com medo das transições ofensivas rivais. Com isso retirou profundidade e poder de fogo ao ataque espanhol. No entanto tal não foi tão relevante no Mundial porque o peso do ataque recaía num Villa que percorria todo o espaço ofensivo. Ora sem Villa neste Europeu, Del Bosque deu ainda mais um passo atrás. Abdicou de uma referência ofensiva, colocando Cesc como falso 9 tentando replicar a táctica do Barça.

A enorme diferença chama-se Messi. Barcelona pode jogar com esse 9 mentiroso porque esse 9 é muitas vezes Messi, e que joga com liberdade por todo o terreno e aparece na posição 9 para finalizar, mas não só. O Barça sabe que a sua posse por vezes se chocar com um adversário capaz de jogar sem bola e baixar o bloco e não deixar espaço entre linhas, pode tornar-se pouco eficaz. Com isso o Barça combate com jogadores como Alexis e Messi ou Pedro(que tem sido suplente na Roja). Jogadores rápidos, incisivos, capazes de definir as jogadas e de romperem com a previsibilidade da posse do Barça, com uma jogada individual, dando maior imprevisibilidade ao jogo do Barça.

Espanha não tem essas soluções. Tal torna o jogo espanhol, muito previsível o que não quer dizer fácil de parar. Contudo, trata-se de um jogo que geralmente tem facilidade em controlar rivais, mas dificuldades em criar oportunidades de golo. Por vezes assiste-se à andebolização do futebol. A equipa vai circulando a bola de um lado para o outro, mas não se assiste a grande penetração.

O duplo pivô com jogadores como Busquets e Xabi Alonso que pisam os mesmos terrenos, torna o jogo espanhol ainda mais centralizado. Falta largura. Essa largura devia ser dada pelos laterais.É curioso porque no jogo com a Croácia ( se bem me recordo) uma estação televisiva espanhola acompanhou os movimentos de Xavi e o que ele dizia ao longo do jogo e notou-se que era ele o líder em campo e que a sua maior preocupação era dizer aos laterais para subirem, para não ficarem amarrados atrás. Mas até aí a Espanha não tem as soluções no Barça. No Barça há Dani Alves que joga quase como um extremo e assim abre mais a defesa adversária permitindo que se abram brechas pelo meio para que Iniesta e Xavi consigam meter o passe de rutura. Dani Alves oferece variedade ao jogo ofensivo.

Espanha conta com Arbeloa que está longe de ter a capacidade técnica de Dani Alves e a sua predisposição para apoiar o ataque. Do outro lado vemos um Jordi Alba mais afoito mas que também está longe de ser a grande solução para dar largura ao jogo principalmente se se deparar com um extremo como Nani que tenha a cultura táctica para acompanhar o lateral e que, ao mesmo tempo, é capaz de ser criativo e explosivo quando tem bola no espaço.

Por isso Espanha sofreu num jogo com uma selecção como Itália que foi altamente personalizada na abordagem ao jogo. Jogou num 3-5-2 que bloqueou o meio campo espanhol. Sabendo-se que o jogo de Espanha passa todo pelo meio campo, a Itália encheu o campo de médios, encravou a saída de bola espanhola e surpreendeu-os no ataque. Espanha esperava uma Itália mais de expectativa, mas o que assistiu foi a uma Itália que queria atacar, que não perdia tempo quando recuperava a bola e que deixava dois avançados bem abertos em cunha, para impedirem a subida dos laterais espanhóis e assim deixar a Espanha refém da sua posse e incapacidade de buscar soluções nas faixas. Balotelli e Cassano pela sua mobilidade e qualidade técnica semeavam o pânico na defesa espanhola, apanhando um dos pontos fracos da Espanha que é o espaço entre o lateral e o central. Depois os 3 centrais da Itália fechavam todas as hipóteses da Espanha tentar rendilhar aquelas jogadas na área italiana. Havia sempre um defesa para fazer as compensações. Por outro lado havia um Pirlo com liberdade para receber e lançar o ataque apanhando a Espanha no momento em que é mais fraca, o momento da organização defensiva.

Espanha tal como o Barça tem como grande força o momento da transição ataque-defesa. Mais até do que a posse, é isso que distingue o jogo espanhol e do Barça e faz com que sejam estilos tão dominadores. Porque posse, muitas equipas previligiaram esse estilo ao longo da história. Nenhuma era tão boa era no exacto momento em que a perdia. Geralmente eram equipas que sofriam muito nesse momento. Espanha e o Barça não. São muito fortes no momento em que perdem a bola. Tacticamente muito evoluídos, sabem posicionar-se bem para asfixiar desde logo a saída do adversário não o deixando ter muito tempo a bola em seu poder. Tal pressão pode perfeitamente durar o jogo todo sem desgaste, porque a Espanha como sempre tem uns 70% de posse de bola, não se cansa muito. Quem tem bola cansa-se muito menos. Tal permite a frescura física para pressionar tão alto e tão forte quando se perde a bola durante 90 minutos.

O momento do jogo em que Espanha mais sofre, é quando não tem bola. Aí pode perfeitamente passar por uma equipa quase banal. Se o adversário consegue sair do momento de transição e obriga a Espanha a ter que passar para organização defensiva( tendo que recuar o bloco e esperar pelo adversário), aí é um problema. Os jogadores espanhóis não respiram sem a bola. Sofrem muito sem ela. Obviamente é utópico esperar que uma equipa consiga colocá-los tanto tempo sem a bola. Mas é possível, tal como a Itália demonstrou através de Pirlo e companhia, recuperar a bola e ter a qualidade táctica e técnica para escapar a esse cerco espanhol de pressão, e assim colocar a bola nas costas da defesa, e criar situações de 1x1 em que os defesas espanhóis podem sofrer.

Espanha tem uma vantagem. Uma quantidade enorme de soluções de enorme qualidade e variedade no banco. Daí que quando Del Bosque sente a tal falta de largura no jogo da Espanha, e quando sente que o adversário está a bloquear o jogo espanhol, tende a colocar em campo um extremo como Navas ou Pedro. Jogadores rápidos e fortes no um para um. Tal permite a que as atenções saiam do centro do terreno e que as defesas adversários tenham que dar mais espaço para poder bascular para um dos flancos. No entanto outro problema se coloca. Não obstante conseguirem criar essa desestabilização na defesa adversária, falta depois um ponta de lança na área para que se possam fazer cruzamentos.

Essa é uma vantagem para quem defende com a Espanha. Sabe que terá que ter muita concentração e sofrer muito sem bola, mas sabe também que pode quase que dar o flanco aos espanhóis porque raramente sai de lá um cruzamento. Antes vê-se o extremo a ganhar a linha e a voltar a passar para trás porque de facto não aparecem jogadores na zona de finalização. Isto é uma boa notícia para Portugal, uma vez que a maior parte dos golos que Portugal tem sofrido têm sido em lances de cruzamentos para o coração da área. Espanha marcou através de um cruzamento no jogo com a França,mas graças à subida de Jordi Alba e da felicidade de Debouchy escorregar num momento chave dando por isso todo o tempo e espaço para Jordi Alba parar, levantar a cabeça e colocar a bola na cabeça de Xabi Alonso vindo de trás. Nada a ver com aquele tipo de jogada que Portugal mais sofre que geralmente são cruzamentos no limite da pequena área em busca de um avançado de área.

Claro que também essas soluções existem mas exigiria um maior risco. A aposta em Llorente e o abdicar um pouco da coesão do meio campo para fazer um jogo mais franco. Del Bosque geralmente opta por Torres para dar a tal profundidade, mas aí perde uma solução como Cesc no meio campo. Contra Portugal e sabendo que Torres teria pela frente uma dupla como Pepe x B. Alves acredito que a opção recaírá, uma vez mais, por Cesc como falso 9.

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