quinta-feira, 20 de outubro de 2016

The times They are a-changing

Recordo-me perfeitamente dos almoços no Restaurante Vitória ali na entrada da Praça Velasquez antes dos jogos nas Antas, uma bebida apressada no Café Estádio enquanto as senhoras ficavam no carro a fazer crochet e os maridos iam ver a bola. A miudagem dependurava-se: “ó meu senhor deixe-me entrar consigo!”. Então naquele dia “até vinha o Craveiro Lopes cortar a fita e tudo”…
Foi há tanto tempo que as cestas, suspensas por cabos, que transportavam o carvão de S. Pedro da Cova para a Estação de Contumil por cima do Monte Aventino, ainda sobrevoavam a cobertura da bancada central.
Os oportunistas afadigavam-se a impingir os últimos bilhetes: ” é só mais 5 escudos do que na agência…” A agência, do amigo Firmino, uma espécie de candonga autorizada, era na Rua Santa Catarina entre os Porfírios e o Palladium vendia bilhetes para os cinemas, teatro (sim ainda havia teatro), circo e futebol. Os mais comodistas evitavam estar na fila e pagavam mais uns escudos pela rapidez no atendimento.
 
Ultimamente o futebol tem dado uma grande volta. Agora é uma indústria o tempo do crochet acabou. Por exemplo o Real de Madrid acaba de anunciar uma remodelação no Santiago Bernabéu que custa 500 milhões de euros. Um valor quase maior do que o Passivo do Benfica. O raio do estádio parece o filho de um Burger King com uma Tupperware.
Os clubes tinham umas poucas centenas de sócios, o presidente convinha ser o dono de uma fábrica das redondezas a quem só se pedia que tivesse dinheiro para acudir a qualquer emergência (leia-se dívida). Arranjava-se um carola para treinador e uns tipos que tivessem jeitinho para o pontapé na bola a quem se pagavam umas centenas de escudos. Hoje não. Qualquer renatinho (suplente dos suplentes no Bayern) é transferido por milhões graças aos bons ofícios de um azeiteiro travestido de empresário que vende os rapazinhos aos milionários dos petrodólares.
Por cá muita graça teve a moda das SAD. Os clubes transmutaram-se em sociedades comerciais com estádios novos, pavilhões, museus e academias presumivelmente visando o lucro. As eleições são uma fantochada. Arranjam milhares de assinaturas para apresentar as listas, mas só 10% vão votar. Quem manda no clube é a SAD quando deveria ser o contrário. Em vez de um presidente e um chefe de secção tem Corpos Sociais, corpos mortos e mortos-vivos. Administrações que não administram onde só um é quem manda, um Diretor Financeiro que não gere as finanças, Conselhos Fiscais que não fiscalizam, Auditores que não auditam, e Revisores que não revisam. Juntam-lhe uma data de societárias batidas em castelo, barram-nas com um motivador profissional angariado pelo scouting e mostram-nos na TV do clube no programa de culinária. Vão ao forno coser lentamente. Quando estão muito tempo lá dentro ficam esturricadas.
 
No clube da treta o diretor de Comunicação reúne-se na Catedral da Cerveja com os comentadores do clube nas várias Televisões e dá-lhes instruções sobre o que devem dizer nos programas em que participam. Na foto podem ver-se de frente os dois paquidermes Pedro Guerra e João Gobern, e de costas, Calado.
Depois começa o calvário. Para arranjarem aquilo com que se compram os melões (leia-se jogadores) atravessam-se na Banca. Começam pela subscrição de Ações, seguem para o factoring, depois papel comercial, empréstimos obrigacionistas, etc. o que faz com que nas Contas do final da época paguem mais de juros do que recebem de quotas dos sócios. Os credores, o fisco, os agentes desportivos apertam, não há massa para todos, lá vem os PER os PARES e os REPARES, tudo medidas de recauchutagem de dívidas. Nas 3 SAD dos chamados grandes, se lhes juntarmos os clubes, tem mil milhões de euros de Passivo. E não há um só dos seus responsáveis (leia-se: presidente ou diretor Financeiro. Os outros são verbos de encher) que tenha a hombridade de se demitir. Os tempos mudaram mesmo.
 
Até à próxima

1 comentário:

Artur Matias disse...

Bem verdade. Memoria de um tempo que nao volta.